Título: FH diz temer crise como a do Brasil de Vargas
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 24/06/2005, O País, p. 8

Ex-presidente cita também Peru de Fujimori e Venezuela de Chávez e rebate acusações de golpismo feitas à oposição

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ter medo de que a crise política leve à divisão do país, como aconteceu com o Peru de Alberto Fujimori, a Venezuela de Hugo Chávez e o próprio Brasil de Getúlio Vargas. Em entrevista ao programa "Conexão D'Ávila", do jornalista Roberto D'Ávila, que será exibido pela TVE hoje às 22h30m, o ex-presidente também admitiu que pode voltar a ser candidato à Presidência.

- Se me perguntarem: "Você assina que não é candidato?" Não assino, não. Tem muita água para rolar- disse.

Na entrevista, Fernando Henrique chegou a propor uma agenda para 2006, pautada pela defesa de reformas políticas, combate à violência e investimentos em infraestrutura. Ele ressalvou que só aceitará disputar uma terceira eleição caso no haja outra opção.

- Aceitaria em uma situação em que realmente não houvesse alternativa, uma crise mais profunda em que o meu partido achasse que a única pessoa que poderia acomodar os vários interesses e alianças necessárias seria eu. Se eu me convencesse disso, haveria essa hipótese - afirmou.

Apesar das ressalvas, o ex-presidente inclui seu próprio nome entre os possíveis candidatos do PSDB à Presidência no ano que vem.

- O PSDB tem candidaturas boas. Temos candidatos da minha geração, que sou eu próprio, eventualmente, depois temos a geração do (José) Serra (prefeito de São Paulo), que tem dez anos menos que eu, e da geração do Geraldo (Alckmin, governador de São Paulo) e do Aécio (Neves, governador de Minas Gerais) que têm dez anos menos que o Serra - disse.

"Fico preocupado comessa reação do PT"

Fernando Henrique manifestou preocupação com a forma como alguns petistas vêm se defendendo das acusações de corrupção, como o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que acusa a oposição de golpismo. O ex-presidente vê risco de uma divisão profunda no país.

- O perigo é o país se dividir. Não podemos deixar isso acontecer. Fico preocupado agora mesmo com essa reação do PT, que começa a acusar a oposição de golpismo. Não é verdade. Eles dizem: "Vamos mobilizar forças". Mobilizar contra quem? São eles que estão no poder. Vejam o que aconteceu com o Peru do Fujimori, que dividiu o país. Depois a Venezuela, que está dividida até hoje. O Brasil, no passado, no tempo do Getúlio, eu me lembro, tinha divisão até nas Forças Armadas. Isso é muito ruim - disse.

O ex-presidente vê riscos de uma crise institucional.

- O principal hoje é restabelecer a confiança entre o povo e seus representantes. O povo não acredita mais. Isso é um perigo muito grande, é a mãe de todas as crises, não crises como esta atual, mas crises institucionais.

Fernando Henrique afirmou ter avisado auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda na fase de transição, sobre o risco de manter no Palácio do Planalto um ministro politicamente forte, como Dirceu.

- Não me lembro se conversei diretamente com ele (Lula) sobre este assunto. Eu só falava com ele sobre aquilo que ele trazia à baila. Sobre alguns ministérios ele conversou. Mas falei com o (Luiz) Gushiken, com o Gilberto Carvalho, com o José Dirceu, mais, aliás, com o José Dirceu do que com os outros. Conversei com o (Antonio) Palocci.

Ele revelou ter barrado as pretensões políticas do ministro das Comunicações, Sérgio Motta (morto em 1998).

- Nunca deixei (Motta) entrar (no palácio). Nunca. Embora a ambição fosse entrar. Uma ambição discreta, mas era, obviamente. E ele sempre se chocou contra quem? Contra o chefe da Casa Civil e contra o coordenador político. Mas eu tive a noção de que uma pessoa como o Sérgio tinha poder para ser ministro, mas longe, não no palácio, pela força dele - disse.

Fernando Henrique disse que a economia vai bem, mas por razões conjunturais e não por méritos do governo. Ele fez ainda uma provocação a Lula.

- Não vivo da política. Outro dia vi o presidente Lula dizer que quando voltar da presidência vai morar lá em São Bernardo. Eu voltei para o mesmo bairro em que morava antes. Agora eu dou aulas de novo. Quero ver o presidente Lula voltar para a fábrica.

O pensamento de FH

"O perigo é o país se dividir. Não podemos deixar isso acontecer. Fico preocupado agora mesmo com essa reação do PT, que começa a acusar a oposição de golpismo. Não é verdade. Eles dizem: "Vamos mobilizar forças". Mobilizar contra quem? São eles que estão no poder. Vejam o que aconteceu com o Peru do Fujimori, que dividiu o país. Depois a Venezuela, que está dividida até hoje. O Brasil, no passado, no tempo do Getúlio, eu me lembro, tinha divisão até nas Forças Armadas. Isso é muito ruim"

"O principal hoje é restabelecer a confiança entre o povo e seus representantes. O povo não acredita mais. Isso é um perigo muito grande, é a mãe de todas as crises, não crises como esta atual, mas crises institucionais"

"Nunca deixei (Motta) entrar (no palácio). Nunca. Embora a ambição fosse entrar. Uma ambição discreta, mas era, obviamente. E ele sempre se chocou contra quem? Contra o chefe da Casa Civil e contra o coordenador político. Mas eu tive a noção de que uma pessoa como o Sérgio tinha poder para ser ministro, mas longe, não no palácio, pela força dele"

"Não vivo da política. Outro dia vi o presidente Lula dizer que quando voltar da presidência vai morar lá em São Caetano (na verdade, em São Bernardo). Eu voltei para o mesmo bairro em que morava antes. Agora eu dou aulas de novo. Quero ver o presidente Lula voltar para a fábrica"

FERNANDO HENRIQUE CARDOSOex-presidente da República, em entrevista ao "Conexão D'Ávila"

Legenda da foto: FERNANDO HENRIQUE: o ex-presidente disse que Lula não deveria ter colocado um ministro forte como Dirceu no Palácio do Planalto