Título: CENSURA SUTIL A JORNALISTAS ESTRANGEIROS
Autor:
Fonte: O Globo, 25/06/2005, O Mundo, p. 33
Repórteres que cobrem eleições enfrentam dificuldades para obter informações
TEERÃ. O governo do Irã exerce uma direta, ainda que sutil, vigilância sobre os jornalistas estrangeiros que vieram ao país cobrir as eleições presidenciais. É preciso pagar US$150 por uma credencial que permite aos repórteres circular apenas em Teerã. Para entrar em repartições públicas, entrevistar candidatos ou mesmo acadêmicos nas universidades, é preciso estar acompanhado de um guia do Ministério da Cultura, que se encarrega da tradução. E isso custa US$120 diários.
O papel do acompanhante é claro: filtrar as declarações de pessoas abordadas nas ruas e inibir¿ muitas vezes impedir ¿ perguntas embaraçosas. Como aconteceu, por exemplo, com o enviado especial do ¿Los Angeles Times¿, John Daniszewski. Em companhia do colega do GLOBO, ele entrevistava um funcionário do governo num posto de votação. Sassan, seu guia oficial, servia de interprete. Quando Daniszewski lhe pediu que perguntasse ao iraniano qual era a origem da fortuna de vários clérigos e aiatolás, Sassan lhe respondeu com uma pergunta:
¿ O que?
¿ De onde vem a riqueza dessa gente? ¿ insistiu o repórter.
¿ Não ouvi direito ¿ disse o guia.
¿ Pergunte a ele qual é a origem do dinheiro que está tornando os clérigos e aiatolás milionários ¿ repetiu o jornalista.
¿ Ah, sabe o que acontece? Eu às vezes fico surdo. Perguntas desse tipo me fazem ficar surdo. Faça outra pergunta. Pergunte outra coisa para ver se volto a ouvir direito ¿ desculpou-se o guia, com um sorriso cúmplice nos lábios, piscando um olho e deixando claro que era obrigado a exercer uma censura.
Quem se apresenta a autoridades com um interprete próprio recebe a credencial, mas é avisado que não terá acesso ao governo e tampouco receberá notificações sobre entrevistas coletivas. Para ir a outra cidade também é necessário autorização especial, concedida em três dias, ¿devido à necessidade de coordenar com o Ministério do Interior e a Polícia da República Islâmica do Irã a emissão de cartas de apresentação para entrevistas¿, segundo o Departamento de Imprensa Estrangeira.
Outro episódio mostra que apesar do filtro censor do guia, autoridades às vezes censuram repórteres de forma tardia. Depois de ser entrevistado por Elaine Sciolino, do ¿New York Times¿, o presidente Mohammad Khatami telefonou para ela para fazer um desmentido. Estava furioso, segundo a repórter, por ela ter registrado suas sugestões sobre o que os EUA poderiam fazer para melhorar as relações com o Irã. A jornalista lembrou a ele que gravara a entrevista e poderia comprovar as declarações. Segundo ela, o presidente gritou ao telefone: ¿Ainda que eu tenha dito aquelas coisas, eu as nego agora.¿ No dia seguinte, num jornal de Teerã, Khatami denunciava Elaine Sciolino por ter inventado declarações dele.