Título: O JOIO DO TRIGO
Autor: Zuenir Ventura
Fonte: O Globo, 25/06/2005, Opinião, p. 7
No seu pronunciamento de anteontem, em que citou a palavra ¿corrupção¿ a cada um dos dez minutos em que falou, mas sem se referir às denúncias de que ela existiria dentro do próprio governo, o presidente Lula manifestou confiança em que a Polícia Federal e a CPI saberão ¿separar o joio do trigo, o bem do mal, a verdade da mentira¿ e chegar à punição de qualquer corrupto, ¿venha de onde vier, seja adversário ou aliado¿. Disse também ser falsa a impressão de que nesse terreno as coisas pioraram durante o seu governo, quando, segundo ele, o combate é que aumentou, levando mais de mil acusados à prisão e desbaratando redes bilionárias.
Isso é verdade, tanto quanto o fato de que o presidente resistiu o quanto pôde a tomar providências saneadoras quando surgiram evidências de que o mal estava dentro de casa. Ainda bem que não repetiu na TV o que dissera antes com arrogância: que ninguém, além dele, tinha mais ¿autoridade moral e ética para fazer o que precisa ser feito neste país¿.
Só para citar um exemplo, há um ano, quando o assessor parlamentar do Planalto, o influente Waldomiro Diniz, apareceu na televisão cobrando propina de um empresário de bingo, Lula se recusou a fazer o que precisava ser feito: afastar o superior imediato do acusado, José Dirceu. Teve que fazê-lo depois, praticamente por imposição de Roberto Jefferson.
Na mesma tentativa de tapar o sol com a peneira, Lula usou de todos os recursos para que não fosse instalada a CPI dos Correios, na qual diz confiar agora. Tomara que ela consiga realmente separar o joio do trigo, embora isso não vá ser fácil, diante da mistura que se formou. Como excesso de informação é ruído, ou seja, confusão, pode-se calcular o trabalho que terão os membros da comissão para apurar, processar e digerir tantos dados, alegações e desmentidos fornecidos por algumas dezenas de envolvidos.
Considerando que as versões são em geral conflitantes, contraditórias e cheias de ardis, quando não simples trocas de acusações e xingamentos, na maioria das vezes sem provas ou testemunhas, há o risco de só restar a palavra de uns contra a de outros, e a acareação, que é um instrumento muito relativo de aferição da verdade: ganha quem tiver melhor performance e mais cara-de-pau.
A CPI não pode chegar ao final sem conseguir expurgar o joio, mesmo sendo demais, e preservar o trigo, ainda que pouco, para que a opinião pública não saia mais uma vez frustrada, achando que nessa história toda só tem culpados e que, como sempre, eles vão se safar.