Título: QUANDO A ESQUERDA CONTA DINHEIRO...
Autor: Marcleo Auler
Fonte: O Globo, 25/06/2005, Opinião, p. 7
Afoto publicada por Ancelmo Gois, na segunda-feira (20/06), mostrando um plástico com a palavra corruPTo no vidro de um carro, mais do que atingir a toda uma geração que há mais de 20 anos acreditou em um sonho e adotou o ¿oPTei¿ como símbolo, é um verdadeiro açoite ao velho publicitário Carlito Maia, mineiro de nascença e paulista de coração, criador, na década de 60 da Jovem Guarda, que passou a maior parte dos seus 78 anos de vida (19/2/1924 a 22/6/2002) distribuindo flores e sorrisos. Carlito, para quem não o conheceu, foi classificado pelo próprio Luiz Inácio Lula da Silva, antes de se tornar presidente da República, como ¿o único homem mais petista do que eu e o Zé Dirceu juntos¿.
Ele, nas palavras de Eugênio Bucci, atual presidente da Radiobrás, foi um ¿gênio por trás da imagem do PT, uma espécie de Duda Mendonça do bem¿. Criador de slogans como ¿VaPT e VuPT¿ e de expressões como ¿Lula Lá¿ e ¿sem medo de ser feliz¿, foi responsável pela imagem positiva do partido ao longo dos anos 80 e 90, sem ter recorrido às caras campanhas de marketing e, principalmente, sem fazer concessões à direita ou abrir mão das questões éticas.
A marca ¿oPTei¿, por exemplo, surgiu de forma simples e inesperada. Em 1982, vivíamos a primeira disputa eleitoral para governadores, no ocaso da ditadura militar. Nela, Lula disputava com Franco Montoro, do PMDB, o governo de São Paulo. Carlito se mantinha calado durante uma calorosa discussão, na festa dos oito anos da hoje jornalista da TV Globo Mariana Kotscho, filha do então repórter especial da ¿Folha¿, depois assessor de Lula, Ricardo Kotscho. Éramos um grupo de amigos, quase todos jornalistas, que se dividia entre os eleitores de Lula e os de Montoro. Instado a participar, Carlito calado estava, calado ficou. Apenas apresentou o desenho do ¿oPTei¿ feito com lápis preto e vermelho numa folha branca. Nascia ali um símbolo que durante todos esses anos embalou as campanhas e os sonhos dos petistas e de seus simpatizantes.
Não cabe dizer se quem fez o ¿CorruPTo¿ tem ou não razão. Pode ter sido fruto ou da espontaneidade, tal como há 23 anos, como da mente de um marketeiro da oposição. O que importa é que usaram da genialidade do Carlito contra tudo o que ele sempre pregou. Quem fez, certamente ignora o autor do ¿oPTei¿, um homem de tiradas fantásticas e presença marcante nos piores momentos da ditadura militar. Sem falar na cordialidade permanente manifestada na voz baixa, nos gestos simples e na remessa constante de buquês de flores distribuídos a todos por qualquer motivo: aniversários, comemorações, lançamentos de peças teatrais, noites de autógrafos.
Como lembrou Frei Betto na página que a Fundação Perseu Abramo (http://www.perseuabramo.org.br/carlitomaia/index.html) criou para Carlito, ele estava entre aqueles que ¿preferiam perder com as bases a vencer sem elas¿. Desconfiado, no que hoje talvez possa ser visto como premonição já que ninguém imaginava ver o PT envolto na atual turbulência, ele alertava que ¿quando a esquerda começa a contar dinheiro, converte-se em direita¿.
Por conta dessas sacadas simples e ao mesmo tempo geniais, é que Bucci, em 2002, credita a Carlito ¿a boa imagem que o PT tem, já que sobre a má imagem ele jamais teve a menor responsabilidade¿. Já naquela época, Carlito dizia que o PT se dividia entre xiitas e chaatos. ¿E tinha razão¿, constata Bucci.
Já doente, com a voz fraca, quase inaudível, manifestando-se com suas frases cortantes enviadas por computador ou fax, como testemunhou Jô Soares, ¿continuava exercendo papel fundamental como consciência do espírito de cidadania¿.
Com toda esta genialidade, doçura e retidão de caráter, dificilmente suportaria ver o seu PT passar pelos dias atuais. Mais ainda sofreria ao ver sua genialidade ser distorcida a ponto de ser usada, com a expressão ¿CorruPTo¿, contra o partido que criou e sempre defendeu, tal como um bumerangue. E o pior seria constatar que muito do que acontece pode estar sendo provocado por alguns poucos petistas que incluía no seu rol de amigos pessoais.
MARCELO AULER é jornalista.