Título: O QUE PREJUDICA A NAÇÃO
Autor: D. Eugenio Sales
Fonte: O Globo, 25/06/2005, Opinião, p. 7

Há 25 anos o Brasil recebia, com alegria e esperança, a visita do Santo Padre João Paulo II. Da chegada a Brasília, no dia 30 de junho de 1980, até o regresso ao Vaticano, a 11 de julho partindo de Manaus, permaneceu entre nós, percorrendo cerca de 10.000 quilômetros com uma grande cobertura dos meios de comunicação social, particularmente as redes de televisão. Milhões e milhões de brasileiros de todas as classes sociais ouviram o Sucessor de Pedro. O Evangelho foi anunciado e recebido com alegria e entusiasmo. Não exagero dizendo que foram dias abençoados. Muitas cidades escutaram essa pregação e hoje, 25 anos depois, parece-me oportuno refletir sobre os resultados concretos, considerando a atual situação do país. Os ensinamentos evangélicos, dos lábios do Sucessor de Pedro, certamente constituíram um alicerce sólido para os cidadãos que os puseram em prática.

Ocorrem, por ocasião desta celebração dos 25 anos da 1ª visita pastoral ao Brasil, algumas turbulências na vida nacional. De um lado, constata-se um progresso em muitos setores e, de outro, dolorosas deformações decorrentes de feitos antievangélicos. O Papa, no discurso no Morumbi, em São Paulo, advertiu: ¿Poder-se-á mudar a estrutura política ou o sistema social, mas sem mudanças no coração, na consciência, a ordem social não será alcançada.¿ Ele o recordava em sua mensagem de 30 de junho no encontro com as autoridades do Brasil. No Rio de Janeiro, na homilia pronunciada no Maracanã, no dia 2 de julho, traçou linhas sobre o trabalho sacerdotal e social: O serviço sacerdotal (...) é um serviço excelente e essencialmente espiritual (...). Não o de médico, de assistente social, de político ou de sindicalista (...). Hoje eles são realizados adequadamente por outros membros da sociedade, enquanto o nosso serviço se especifica sempre mais claramente como serviço espiritual. O discurso na Favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, quando deixou de presente seu anel, é a síntese dos pronunciamentos do Papa no Brasil: ¿São pobres em espírito também os ricos que, à medida da própria riqueza, não cessam de dar-se a si mesmos e servir aos outros.¿ E, na mesma oportunidade, diz aos que são ¿pobres em espírito¿ que eles se encontram fora do Reino de Deus; que o Reino de Deus não é e não será participado por eles. Pensando em tais homens que são ¿ricos¿, fechados a Deus e aos homens, sem misericórdia (...) não dirá Cristo em outra passagem: ¿Ai de vós!¿? (Lucas 6,24).

A cada dom recebido de Deus corresponde uma responsabilidade. A primeira visita do Papa ao Brasil pede uma resposta. Seu aproveitamento, ou não, repercute na existência terrena e na eternidade. O Senhor, como Pai, nos dá gratuitamente; enquanto juiz, retribui conforme o merecimento de cada um.

A 30 de junho, no encontro com o presidente da República e com membros do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e ministros de Estado, ele foi portador de uma mensagem: ¿Colaborar na parte humilde mas indispensável que me toca, para que prevaleça, no mundo, um autêntico sentido do homem, não enclausurado num estreito antropocentrismo, mas aberto a Deus. Penso numa visão do homem que não tenha medo de dizer: o homem não pode abdicar de si mesmo nem do lugar que lhe compete no mundo visível; o homem não pode tornar-se escravo das coisas, das riquezas materiais, do consumismo, dos sistemas econômicos ou daquilo que ele mesmo produz; o homem não pode ser feito escravo de ninguém, nem de nada; o homem não pode prescindir da transcendência, em última análise, de Deus, sem amputação no seu ser total; o homem, enfim, só poderá encontrar luz para seu ¿mistério¿ no mistério de Cristo.¿ (Discurso no encontro com o presidente da República e autoridades, nº 4.)

Ainda nesta oportunidade, ele nos recorda os ensinamentos que são vitais para o bem do Brasil: ¿Nunca é demais recordar que jamais uma transformação de estruturas políticas, sociais ou econômicas se consolidaria se não fosse acompanhada de ¿conversão¿ da mente, da vontade e do coração do homem, com toda a sua verdade. Esta se há de processar tendo sempre em vista, por um lado, evitar perniciosas confusões entre liberdade e instintos ¿ de interesse de parte, de luta ou de domínio ¿ e, por outro lado, suscitar uma solidariedade e um amor fraterno imune de toda falsa autonomia em relação a Deus¿ (Idem, 7).

As turbulências por que passa nosso país nos possibilita uma excelente oportunidade para refletir sobre os ensinamentos que o nosso querido ¿João de Deus¿ aqui deixou por ocasião de sua primeira viagem ao Brasil. A palavra do Sucessor de Pedro será fator de otimismo, caso seja posta em prática, pois leva à superação das falhas que tanto prejudicam a nação. Cada um, especialmente os que exercem funções de responsabilidade, deve examinar se há concordância de suas atitudes com a mensagem aqui deixada por João Paulo II. Voltaremos ao assunto.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro.