Título: BLINDAGEM ANTICONTRABANDO
Autor: Carlos Vasconcelos e Chico Otavio
Fonte: O Globo, 25/06/2005, Economia, p. 27

Receita apreende uniformes do Exército em operação contra importação ilegal

Um carregamento com 66 mil peças de uniformes camuflados do Exército brasileiro foi a principal descoberta de uma megaoperação da Receita Federal que sitiou os portos do Espírito Santo. Trata-se da Operação Blindagem I, a primeira grande operação coordenada pela Divisão de Repressão ao Contrabando da Receita, com auxílio da Autoridade Portuária do Espírito Santo e da Polícia Rodoviária Federal do estado. Desde quarta-feira, todas as saídas dos portos e terminais alfandegados do Espírito Santo estão bloqueadas, assim como o aeroporto internacional de Vitória. Até o fim da tarde de ontem foram apreendidas pouco mais de mil toneladas de produtos e matérias-primas, o equivalente à carga de 600 ônibus de sacoleiros que cruzam a fronteira entre Brasil e Paraguai.

Nos três primeiros dias da operação, que não tem data para acabar, além dos uniformes, a Receita apreendeu contêineres de autopeças, azeite de oliva, bebidas, alimentos, produtos químicos e aço. Carregamentos de eletroeletrônicos, perfumes e outros produtos foram retidos para vistoria por apresentarem indícios de irregularidades na entrada no país.

Num terminal alfandegado, chamado porto seco, foram apreendidas 1.100 caixas contendo cada uma 60 peças de uniformes camuflados de treinamento no padrão do Exército brasileiro. A carga provinha da China, mas os uniformes têm etiquetas de fabricação no Brasil. Segundo auditores da Receita, o número de cadastro da empresa que consta na etiqueta não registrou nenhuma movimentação fiscal nos últimos três anos.

¿ Há, no mínimo, fortes indícios de que a empresa seja usada como intermediária para a encomenda de terceiros, o que é ilegal ¿ disse um dos auditores da Divisão de Repressão ao Contrabando.

Documentos em nome de terceiros

O Centro de Comunicação Social do Exército informou que os uniformes apreendidos têm as mesmas características dos distribuídos aos cabos e soldados que prestam o serviço militar. Em nota oficial, o órgão disse ainda que a empresa vencedora da última licitação, em 2005, para a aquisição de uniformes camuflados foi a Nayr Confecções Ltda, de Santa Fé do Sul, em São Paulo. O nome dessa empresa, no entanto, não consta nas guias apreendidas. Ainda segundo a nota, as regras de licitação para a aquisição de uniformes não vedam a importação de peças ou tecidos de uniformes. ¿Cumpre registrar que quaisquer procedimentos relativos à importação são de responsabilidade da empresa vencedora da licitação, devendo o produto atender às especificações técnicas e de qualidade definidas no edital de licitação¿, ressalta a nota.

O Exército exige que cada empresa participante da licitação apresente uma amostra do material a ser fornecido, que será analisado em laboratórios, para atestar a qualidade do produto de acordo com as especificações técnicas do edital. Atendendo a solicitação da Receita, o Comando da 1ª Região Militar designou um oficial da organização militar do Exército mais próxima, 38º Batalhão de Infantaria, com sede em Vila Velha, no Espírito Santo, para comparecer ao local da apreensão e verificar se as fardas apreendidas são compatíveis com a utilizada pelo Exército Brasileiro.

Além dos uniformes, um dos contêineres apreendidos guardava peças suficientes para montar dois carros da Renault, do tipo usado em corridas de Fórmula 3. A carga entrou no país como autopeça, que tem tarifa de importação bem mais baixa do que a cobrada nos carros montados. Além disso, os automóveis desmontados são usados e, portanto, não poderiam ser importados.

Em outro terminal alfandegado, foram apreendidos 48 contêineres de rum provenientes do México. Ao todo, são cerca de 878 mil garrafas de 750ml da bebida, sem rótulo ou selo. As bebidas serão analisadas em laboratório e, posteriormente, destruídas.

¿ Até agora (final da tarde de ontem), ninguém reclamou esta carga, o que chama a atenção ¿ observou um auditor da Receita.

Segundo a Receita, a maioria das fraudes envolve adulteração de valor, falsificação de origem dos produtos e uso indevido de marca. Uma carga de perfumes franceses Azzaro, que está sob vistoria, tinha preço unitário declarado de US$2,44 para o frasco de 50ml e de US$3,79 para o frasco de 100ml. No mercado brasileiro, o frasco do perfume com 100ml é vendido por cerca de R$240.

O preço adulterado é uma maneiras utilizada de burlar a cobrança do imposto de importação. Os documentos de importação da carga, assim como de uma outra, de vinhos franceses, também suspeita de adulteração de preços, foram encaminhados pela Receita brasileira para a aduana francesa, para averiguações. A expectativa é de que os franceses respondam ao pedido da Receita na próxima segunda-feira.

A primeira operação de uma série

Uma das apreensões realizadas ontem foi possível após denúncia feita por um importador capixaba. A firma, cujo nome não foi revelado, fora contatada por outra empresa de São Paulo para intermediar importação de lâminas de aço. O acordo foi recusado, mas o despachante da empresa capixaba descobriu que ela estava sendo usada à revelia para a compra de 46 toneladas de aço.

Ao todo, a Operação Blindagem está movimentando 25 auditores e técnicos, que se somaram às equipes de fiscalização regulares. Ela é resultado de dois meses de investigações da Receita. Em Vitória, a vigilância no porto é severa, com os auditores se revezando 24 horas nos terminais. Na madrugada de quinta-feira, transportadores tentaram sair do Terminal Portuário de Vila Velha com três contêineres, alegando que não havia carga, mas foram interceptados pela Polícia Rodoviária Federal. Os contêineres estavam carregados de alimentos, bebidas e toner para impressoras. Segundo a Receita, a empresa que consta como importadora do toner não tem capacidade financeira para a importação do volume de produto apreendido.

Segundo o superintendente regional da Receita Federal César Augusto Barbiero, a Operação Blindagem é a primeira de uma série que deverá acontecer em todo o país. Essas operações reforçarão a vigilância de rotina nas alfândegas com a atuação das divisões de repressão ao contrabando, oficializadas em março deste ano.

¿ A idéia da divisão é atuar nas áreas que fogem ao controle normal da aduana ¿ explicou Barbiero.

¿ Seria bom ter uma operação dessas pelo menos uma vez por ano. Nossa rotina acaba muito conhecida e isso aumenta o risco de atuação de fraudadores e contrabandistas ¿ afirmou João Luiz Fregonazzi, inspetor da Alfândega do Porto de Vitória.

A primeira grande apreensão feita pela Divisão de Repressão ao Contrabando foi realizada em março deste ano, no Porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro. Na ocasião, a divisão obteve informações colhidas durante investigação em um estabelecimento comercial de Bangu, envolvido em outras fraudes de importação. O resultado foi a apreensão de aquecedores, brinquedos e material cirúrgicos importados de maneira irregular.

(*) Enviado especial