Título: FRONT INTERNO
Autor:
Fonte: O Globo, 29/06/2005, Opinião, p. 6

Obom desempenho das contas externas tem funcionado como um escudo que ajuda a proteger a economia da crise política. E felizmente o conjunto das finanças governamentais também está sendo preservado, com a manutenção de um significativo e acertado superávit primário (próximo dos 5% do Produto Interno Bruto, o PIB), capaz de reduzir o grau de endividamento público em relação ao PIB ¿ que já foi de 57%, está em 50% e precisa cair para a faixa dos 30% a 40%. Sem mágicas. O ajuste nas finanças públicas é a condição necessária para que se tenha um longo ciclo de desenvolvimento sustentado, em vez de um crescimento em espasmos. O primeiro passo foi obter sucessivos superávits primários a partir de 98 para estancar a expansão da dívida pública. Teria sido bem mais positivo se tais saldos fossem alcançados por maior controle nos gastos de custeio, mas o ajuste em grande parte se baseou no aumento de tributos e no corte de investimentos. De todo modo, o déficit público total se reduziu para menos de 3% do PIB, o que nos padrões internacionais é considerado salutar. O passo seguinte deve ser então a melhoria da qualidade do ajuste. Um déficit público declinante combinado com diminuição de carga tributária ¿ ao menos na proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2006 há o compromisso formal de manter essa carga nos mesmos níveis de 2004 ¿ liberará poupança doméstica para a concretização de investimentos, especialmente pelo setor privado, capazes de ampliar a capacidade produtiva do país. Nessas condições, a política monetária poderá se aproximar dos parâmetros que se observa em outras economias emergentes com as quais hoje o Brasil se compara. Trata-se de um círculo virtuoso, com fatores positivos se interligando. Como era preciso cuidar também das contas externas, entende-se que esse novo passo tenha sido postergado. No entanto, não existe mais essa justificativa. O ótimo desempenho das contas externas dá hoje ao país a tranqüilidade necessária para que a política econômica se concentre no front interno e marche na direção da melhoria da qualidade do ajuste fiscal e do desenvolvimento sustentado, enfim. E tanto mais não seja porque esta é a única fórmula segura de reforçar a proteção da economia diante da crise política.