Título: De malas recheadas para Brasília
Autor: Demétrio Weber e Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 29/06/2005, O País, p. 3

Cruzamento de agenda com dados do Coaf mostra que Valério sacava altas somas antes de viajar Em setembro e outubro de 2003, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do suposto mensalão do PT, reservou suítes no Grand Bittar Hotel, em Brasília, no mesmo dia ou na véspera de fazer saques em dinheiro vivo, no total de R$1,135 milhão, na conta da SMP&B Comunicação no Banco Rural, empresa da qual é sócio em Belo Horizonte. A reserva de suítes aparece anotada na agenda da ex-secretária de Marcos Valério Fernanda Karina Somaggio, entregue à Polícia Federal. Os saques foram relacionados pelo Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf). Cruzamento da agenda com o relatório do Coaf, feito pelo GLOBO, mostra as coincidências. Na agenda consta a anotação ¿Suíte VIP ¿ 15º Andar no Gran (sic) Bittar¿, no dia 30 de setembro de 2003. Um dia antes foram realizados dois saques no total de R$550 mil na conta da SMP&B, no Banco Rural. Embaixo da anotação relativa à reserva da suíte constam dois nomes: Marcos, que seria o próprio Marcos Valério, e José Augusto Dumont, então vice-presidente do Banco Rural. A agenda da ex-secretária tem também o seguinte registro no dia 29 de outubro: ¿Reservei o Gran (sic) Bittar ¿ Suíte VIP ¿ às 07:00h¿. Nessa mesma data, de acordo com o Coaf, foram feitos dois saques no valor total de R$585 mil na conta da SMP&B. Em seu depoimento à Polícia Federal, Fernanda Karina disse que uma funcionária de Marcos Valério, a gerente financeira da SMP&B, Simone Vasconcelos, ia a Brasília acompanhando o publicitário e ficava hospedada no Grand Bittar, onde era encarregada de distribuir o chamado mensalão. De acordo com Karina, a própria Simone Vasconcelos lhe teria contado como funcionava o esquema. O Grand Bittar, de cinco estrelas, tem registro de uma hospedagem em nome de Simone Vasconcelos em 17 de setembro de 2003. Se não se tratar de um caso de homônimas, Simone seria a gerente financeira da SMP&B Comunicação. O hotel registra que ela ficou hospedada em Brasília de 17 a 18 de setembro de 2003. Em outra coincidência, no dia 17 daquele mês foram feitos dois saques em dinheiro, no valor total de R$700 mil, da conta da SMP&B no Banco Rural, segundo o Coaf. O delegado da Polícia Federal Luis Flávio Zampronha, que investiga as denúncias da ex-secretária, decidiu enviar ofício aos hotéis solicitando os registros de hospedagem. Com isso, a PF poderá cruzar as datas de viagens a Brasília de Valério, Simone ou outros funcionários do publicitário com os dias em que foram sacadas quantias elevadas. Saques feitos em época eleitoral Encarregado de acompanhar a movimentação financeira no país e combater a lavagem de dinheiro, o órgão do Ministério da Fazenda constatou que entre agosto e outubro de 2004, quando foram realizadas eleições municipais, saíram R$3 milhões das contas no Banco Rural da SMP&B e da DNA Propaganda, outra agência que tem Valério como sócio. Fernanda Karina disse à PF e repetiu ontem ao Conselho de Ética da Câmara que grandes quantias de dinheiro eram sacadas e transportadas em malas por funcionários da SMP&B. O dinheiro do mensalão, segundo o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), teria origem na agência, que mantém contratos com órgãos federais. O levantamento do Coaf indica que setembro de 2003 foi o mês com os maiores saques em dinheiro da conta da SMP&B: R$3.062.000. Entre julho de 2003 e maio de 2005 foram realizados 81 saques no valor total de R$16,5 milhões. O Coaf constatou que na DNA Propaganda ocorreram 22 saques no valor de R$4,4 milhões entre agosto de 2003 e setembro de 2004. A SMP&B foi procurada ontem no início da tarde, mas até as 21h não havia retornado as ligações.