Título: NÓS, QUE AMÁVAMOS TANTO O PT
Autor: Zuenir Ventura
Fonte: O Globo, 29/06/2005, Opinião, p. 7

Nunca pertenci ao PT ou a qualquer outro partido, até porque acho que jornalista não deve vestir camisa de nenhuma agremiação política ou ideológica. Mas se tivesse que me filiar a algum, esse teria sido o PT, pelo papel que desempenhou no processo de redemocratização do país, aplacando tensões sociais e canalizando a insatisfação da classe operária e dos excluídos em geral, os que não tinham como se expressar eleitoralmente. Foi a mais estimulante novidade partidária do período da abertura.

Acompanhei de longe sua fundação em 1980, através do entusiasmo de amigos como Hélio Pellegrino, Henfil e Carlito Maia, e de personalidades como Mário Pedrosa, Antônio Cândido, Sérgio Buarque, Apolônio de Carvalho, que se orgulhavam de ter participado da histórica reunião do Colégio Sion em São Paulo, no dia 10 de fevereiro, quando foi lançado o manifesto de 101 assinaturas que possibilitava o registro do novo partido.

O sonho era possível, pensava-se diante daquele movimento que reunia sindicalistas, intelectuais, professores, jovens, velhos, a geração de 68, todos enfim que tinham lutado contra o regime militar, mas também contra o autoritarismo do Partido Comunista e a herança populista de Vargas. ¿Vocês vão entrar no PT sem bíblia, sem dogma¿, anunciou então Pedrosa, num comovente discurso, ¿vamos todos aprender juntos um novo bê-á-bá¿.

Vinte anos depois, ao fazer um balanço, Lula concluía que o PT estava pronto para chegar ao poder, como sempre empunhando a bandeira ética e, com tal empenho e rigor, que dava a impressão de ter inventado a palavra e o conceito. O partido precisava agora, segundo seu presidente, ¿desenvolver políticas de alianças¿, mas, advertia, ¿sem cair na promiscuidade política¿. A frase soa hoje como ¿não está mais aqui quem falou¿.

Por coincidência, a ex-petista Heloísa Helena lembrava anteontem no Senado que foi expulsa do partido justamente por condenar a ¿promiscuidade¿ entre o Planalto e o Congresso. Só que não imaginava que o ¿processo de degeneração¿ fosse chegar a esse ponto: ¿tráfico de influência, intermediação de interesses privados, exploração de prestígio, balcão de negócios sujos¿. De acordo com uma forte imagem usada por ela, o governo Lula jogou ¿no lixo da História a bandeira da ética¿.

Ainda bem que muitos dos signatários do manifesto de fundação foram poupados pelo destino de assistir a esse deprimente espetáculo.