Título: DECLARAÇÕES DE DIRETOR DA ORACLE IRRITAM JUÍZES DO TRABALHO NO RIO
Autor: Nelson Vasconcelos e Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 29/06/2005, Economia, p. 24

Executivos tentariam orientar as testemunhas em causa trabalhista

Juízes do Trabalho no Rio reagiram ontem à divulgação das declarações de diretores de uma multinacional instalada no país, que teriam dito a três funcionários que juízes trabalhistas fluminenses seriam incompetentes para julgar casos complexos. As afirmações estão em gravação entregue à Justiça semana passada e foram reveladas pela coluna ¿Conexão Global¿ ontem. A empresa envolvida é a Oracle, gigante mundial do setor de software, que em 2004 registrou em todo o mundo um resultado operacional recorde de US$4,2 bilhões. Se a veracidade da gravação for comprovada, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho pode mover processo contra a empresa.

¿(Os juízes) não têm capacidade para julgar causas trabalhistas complexas como as que envolvem as relações de trabalho com multinacionais. Só têm experiência com questões envolvendo peões da construção civil¿, teria dito um dos diretores da Oracle a funcionários que iriam depor em favor da empresa numa ação trabalhista movida por ex-diretores da multinacional.

O diretor também teria dito que ¿os juízes do TRT-RJ nunca leram, não lêem e jamais lerão qualquer processo¿.

Consultada pelo GLOBO, a Oracle não quis se manifestar ontem a respeito do assunto.

O caso surgiu em meio a uma disputa trabalhista entre a Oracle e 14 ex-funcionários da empresa, por questões relativas a horas extras e pagamento de comissões. No total, eles pleiteiam cerca de R$30 milhões em indenizações. Segundo Carlos Pereira, advogado do grupo, as gravações foram feitas em novembro de 2004 pelo ex-diretor da Oracle Ricardo Bigio e foram apresentadas à Justiça pelo ex-funcionário Paulo Lavareda quarta-feira passada, em audiência com a juíza-substituta Keila de Oliveira Toledo, da 13ª Vara do TRT-RJ. Bigio e Lavareda fazem parte do grupo que está na Justiça contra a Oracle. A audiência foi imediatamente suspensa.

O CD com a gravação será agora analisado pela Justiça.

¿ No início da audiência, o funcionário afirmou que testemunhas da Oracle teriam sido manipuladas pelos advogados da multinacional. E uma dessas testemunhas foi citada para depor em seu processo. Chamei a pessoa e verifiquei que era o mesmo citado pelo reclamante ¿ disse ontem a juíza-substituta.

Depois da análise, a gravação deve ser enviada para perícia. Se a autenticidade da fita for comprovada, os juízes do Trabalho poderão mover ações contra a empresa.

O vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Cláudio José Montesso, afirmou que as declarações ofendem não só a classe, como também todo o Poder Judiciário:

¿ É uma atitude preconceituosa por parte de uma empresa que se sente acima da lei e da ordem. Estamos estudando que medidas vamos tomar.

Uma delas seria denunciar à OAB os advogados envolvidos.

O presidente da Associação no Rio, juiz Alexandre Teixeira de Freitas, completa: há a confissão de vários crimes na gravação, como incitação ao crime ao orientar uma testemunha a mentir, falso testemunho, tentativa de obstrução da Justiça e até crime contra a organização do trabalho:

¿ Se for comprovada a denúncia, o Ministério Público Federal será acionado para denunciar a empresa.