Título: ESTUPRADA VENCE LUTA NA JUSTIÇA PAQUISTANESA
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Fonte: O Globo, 29/06/2005, O Mundo, p. 32

Violação fora determinada por conselho tribal para punir suposto crime de irmão da vítima. Sentença é anulada

ISLAMABAD. A Suprema Corte do Paquistão atendeu o recurso de uma mulher vítima de estupro coletivo por ordem das autoridades de sua aldeia e anulou ontem a sentença de um tribunal regional que mandara libertar cinco dos seis réus. Além disso, os juízes determinaram que os oito membros do conselho tribal que ordenaram o crime sejam novamente julgados.

A sentença da corte foi comemorada por dezenas de mulheres que se encontravam na frente do prédio, em Islamabad, pois o crime se transformou num caso modelo dos abusos a que as mulheres são submetidas nas áreas rurais do país.

O estupro de Mukhtar Mai ocorreu em 2002, quando o panchayat (conselho de anciãos) de sua aldeia ordenou o crime como punição porque seu irmão de 12 anos teria tido um caso com uma mulher de condição social superior. Desde então, contrariando a atitude habitual das vítimas de estupro ¿ que na maioria das vezes escondem o fato com medo de ficarem estigmatizadas ¿ Mukhtar lançou-se numa campanha para levar os criminosos à cadeia. Hoje uma ativista pelos direitos femininos no país, onde o fundamentalismo islâmico é uma forte corrente, ela comemorou.

¿ Estou muito contente e espero que aqueles que me humilharam sejam castigados ¿ exultou Mukhtar, de 36 anos, ao saber do veredicto.

Suprema Corte do Punjab absolvera condenados

A decisão do painel de três juízes revogou a absolvição, em março, de cinco dos seis acusados pela Suprema Corte da província do Punjab, gerando um clamor internacional. Os cinco foram condenados à morte em primeira instância, mas os juízes provinciais alegaram que não havia provas suficientes e os absolveram. Apenas um dos acusados teve sua condenação mantida, com pena de morte comutada para prisão perpétua. Os membros do panchayat que ordenaram o estrupro haviam sido absolvidos três anos atrás.

Ontem, no entanto, o procurador-geral do Paquistão, Makhdoom Ali Khan, derrubou a alegação de falta de provas:

¿ Apenas o depoimento dos acusados em casos de estupro coletivo já é suficiente para assegurar a condenação ¿ argumentou ele.

O advogado de acusação, Aitzaz Ahsan, ajudou a virar a sentença contra os réus:

¿ Esta é a luta de uma mulher pobre e analfabeta que decidiu travar uma batalha legal contra seus estupradores até os últimos limites e não sucumbiu às pressões que enfrentou pelo caminho ¿ disse ele.

Governo chegou a cassar passaporte de Mukhtar

O caso ganhou repercussão ainda maior quando o governo paquistanês cassou o passaporte de Mukhtar sob a alegação de que queria protegê-la. Grupos de direitos humanos queriam que ela fosse ao exterior falar sobre os abusos contra as mulheres no Paquistão. Pressionado até pelos Estados Unidos, o governo do presidente Pervez Musharraf reconheceu que retirara o passaporte de Mukhtar para impedi-la de passar uma imagem negativa do país no exterior e acabou devolvendo-lhe o documento domingo.