Título: Meninos brincam de ser bandidos em acesso à Avenida Ayrton Senna
Autor: Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 28/06/2005, Rio, p. 17

Com armas de plástico e madeira, eles fingem atirar nos carros e fechar pista Escondido entre arbustos na rampa de acesso da Rua Edgard Werneck à Avenida Ayrton Senna, na Cidade de Deus, um menino de cerca de 8 anos observa o movimento de veículos em direção à Barra. Num salto, ele corre para a pista e, segurando uma metralhadora de plástico, finge atirar nos motoristas. Com armas de madeira, outros dois meninos o acompanham e repetem o gesto. Em outro momento, eles vão para o meio da pista e fingem interromper o trânsito. A brincadeira, flagrada no último fim de semana por repórteres do GLOBO, reproduz os assaltos que acontecem com freqüência naquele ponto. Quando carros da polícia passavam, os meninos corriam de volta para o mato e se escondiam, para logo em seguida recomeçar os assaltos de brincadeira. Abordado pelo fotógrafo, um deles escondeu a arma de plástico e disse que não queria ter sua imagem registrada. Sociólogo: figura de bandido exerce fascínio nos jovens Segundo o sociólogo José Augusto Rodrigues, professor do Departamento de Ciências Sociais da Uerj, a figura do bandido nas favelas exerce fascínio sobre crianças e jovens. ¿ Não existe qualquer forma de vida social organizada que dispense a figura do herói social. O transgressor, o fora-da-lei, é um desses heróis, embora não seja o único. Alguns vão se deixar fascinar por essa imagem, outros não. A explicação padrão para essa diferença é a estrutura familiar ¿ disse o sociólogo, ressaltando que a presença de instituições, inclusive a polícia, nas comunidades é a melhor forma de solucionar o problema da violência. Autor da lei que aumentou as exigências para a compra de armas no estado, o deputado Carlos Minc (PT) considera grave o fato de crianças estarem reproduzindo ações criminosas: ¿ Já estávamos perdendo terreno para o crime. Considero ainda mais grave estarmos perdendo agora a formação das crianças. Os mais jovens estão adotando como padrão o comportamento dos marginais. Brincadeiras com armas sempre fizeram parte da infância e já foram retratadas em filmes. Em ¿Pixote¿, por exemplo, o personagem-título usa uma arma de madeira durante uma brincadeira com outros menores. No caso da Cidade de Deus, no entanto, chama a atenção o fato de a brincadeira acontecer num ponto onde são comuns os assaltos de verdade. ¿ A arma de brinquedo é o passaporte para a arma de verdade ¿ diz o deputado Átila Nunes (PMDB), autor da lei de 1995 que proibiu no estado a produção, o comércio e o transporte de brinquedos que se assemelhem a armas de verdade. Desde o dia 15, o Viva Rio vem promovendo uma campanha de desarmamento em 336 escolas estaduais. No lançamento da campanha, no Ciep Luiz Peixoto, em Queimados, foram recolhidas 74 armas de brinquedo. ¿ Esse tipo de brincadeira imita os conflitos das facções dentro das comunidades. É comum hoje em dia as crianças brincarem de invadir e dominar territórios, expulsando os coleguinhas de um trecho da rua ¿ diz Rubem César Fernandes, diretor executivo do Viva Rio. Para ele, os colégios são o espaço ideal para conscientizar as crianças. ¿ As escolas, muitas vezes, reúnem alunos de comunidades inimigas.