Título: NA TERRA DOS AIATOLÁS, MILHÕES AINDA VIVEM NA MISÉRIA
Autor: Wagner Gomes
Fonte: O Globo, 28/06/2005, Economia, p. 25

Apenas os mais próximos ao fechado círculo islâmico conseguem enriquecer 25 anos após a revolução TEERÃ (Irã). O suborno, antes visto como uma prática imoral e decadente do Ocidente, hoje é uma fonte adicional de renda na República Islâmica do Irã, que acaba de eleger um novo presidente. Qualquer procedimento burocrático pode ser facilitado por meio de um ¿agrado¿. Pudera: a renda per capita é um terço do que era nos anos 70, época pré-revolução. Muita gente sobrevive vendendo frutas nas ruas. Só tem acesso a fontes lucrativas de negócios quem faz parte do círculo fechado do regime islâmico. No país de 70 milhões de habitantes, o desemprego atinge 16%, segundo o governo, e 30%, de acordo com o mercado. Anualmente, 1,8 milhão de iranianos entra no mercado, mas só 500 mil postos de trabalho são criados. A inflação é de 17% e continua crescendo mais do que os salários. Por isso, duas décadas e meia após a implantação do regime pelo já falecido aiatolá Khomeini, a prometida sociedade sem classes está a cada dia distante. O país é dividido entre ricos ¿ os que têm as conexões certas no governo ¿ e pobres. Quarenta por cento da população sobrevivem com US$12 mensais. Quem tem se dado muito bem são os mulás milionários, que circulam em BMWs e Mercedes, jogam golfe em clubes fechados e viajam à Europa. Essa classe é formada basicamente por alguns aiatolás e clérigos, além de seus parentes e amigos. São os beneficiários da privatização dos anos 90. Há, ainda, a casta privilegiada dos que participam das bonyads ¿ na fachada, fundações de caridade formadas por empresas confiscadas do antigo regime ¿ que abrangem a maior parte dos negócios que não têm a ver com o petróleo e foram entregues aos clérigos mais confiáveis. Eles não têm de prestar contas publicamente, apenas ao Líder Supremo da Revolução Islâmica, Ali Khamenei. As bonyads controlam um quarto da economia do país. E o próprio governo, cerca de 60%. Agronegócios, por exemplo, são de propriedade do Ministério da Agricultura. O Ministério da Inteligência é dono de empresas de telecomunicações e de tecnologia da informação. A Guarda Revolucionária geralmente ganha os contratos de construção de estradas e oleodutos. Há apenas quatro bancos privados no país, três deles ligados às bonyads ou ao Estado. A escassez de crédito complica a vida dos pequenos empresários, como Ali Mahdavi, fabricante de meias instalado no Bazar Teerã, no centro da capital: ¿ Por enquanto ainda está dando para viver. Mas se o Irã entrar na Organização Mundial do Comércio, como dizem, as coisas vão complicar para nós porque os chineses vão invadir com seus produtos ¿ disse. A indústria do petróleo ¿ o Irã tem a segunda maior reserva do mundo ¿ é responsável por 80% das exportações e, na prática, significa 50% da arrecadação do governo. Em segundo lugar aparecem os famosos tapetes persas. Segundo o vice-ministro de Economia e Finanças, Muhammad Khazai, o Irã precisa de US$20 bilhões de investimentos anuais nos próximos dois anos para criar empregos suficientes para todos. No entanto, no último ano fiscal ¿ encerrado em março passado ¿ só foi investido US$1 bilhão. A insistência dos clérigos ultraconservadores em não abrir o setor do petróleo para companhias estrangeiras complica a situação. A maior parte da arrecadação é gasta com subsídios a alimentos ¿ para aliviar a pobreza ¿ e vai também para o bolso dos aiatolás.