Título: Navegando na crise
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 26/06/2005, O Globo, p. 2

Estamos entrando na sétima semana da crise política, iniciada com a divulgação das confissões de Maurício Marinho sobre corrupção nos Correios e agravada pelas denúncias de Roberto Jefferson sobre o pagamento de mesada a deputados. O pior pode não ter ainda começado, mas agora surgem sinais mais seguros quanto ao curso da crise: as investigações encontraram seu rumo, a economia não foi contaminada, o governo saiu de sono letárgico e o Congresso começa a encontrar o mínimo de normalidade na turbulência. As primeiras semanas foram conduzidas pelo insondável, pela receio do governo e pelo anseio da oposição por novas detonações. Elas podem ocorrer mas, agora, tudo indica, virão para jogar luz sobre as denúncias, trazendo a confirmação material de algumas ou eventualmente desmontando outras. É o caso da revelação da revista "IstoÉ", com base em documentos do Ministério Público, de que entre julho de 2003 e maio de 2005 saíram das contas da SMP&B e da DNA, empresas do publicitário Marcos Valério, R$20,6 milhões em dinheiro vivo. Na quinta-feira haverá o depoimento de Roberto Jefferson na CPI dos Correios. Ali, ele não será tão dono do espetáculo como foi até agora em entrevistas ou no Conselho de Ética, onde faltou interesse de uns e coragem de outros para extrair mais informações sobre o suposto mensalão. As contradições acumuladas nas falas anteriores agora serão mais bem exploradas. Se não tem provas, deve dar mais indicações para os investigadores e esclarecer coisas obscuras, como o destino que deu aos R$4 milhões que teria recebido do PT, via Marcos Valério. O ex-ministro e deputado José Dirceu também deve depor esta semana no Conselho de Ética. Enfrentará uma artilharia pesada da oposição, mas ali o ambiente não será propício à repetição das cenas deploráveis que aconteceram em sua estréia no plenário. Não levará claque nem lá terá a palavra o deputado Jair Bolsonaro, cujo destempero anda a exigir também mais atenção de seus pares. Na sexta-feira, numa sessão realizada a seu pedido, em homenagem aos militares mortos no combate à Guerrilha do Araguaia e à luta armada, um conhecido ex-torturador falou da tribuna por duas horas, desenterrando o doloroso passado. Provocações à parte, as investigações ganham seu curso. Antes de Jefferson, a CPI ouvirá os produtores e manipuladores da fita dos Correios - Joel dos Santos Filho, Arlindo Molina e Jairo Martins. Saber a quem serviam será uma passo importante. Do governo, todos os sinais são de que caiu a ficha do presidente Lula sobre a gravidade da crise e a necessidade de respostas efetivas. E já não se trata apenas de mudar ministros, mas a própria cultura do governo. Dilma Rousseff na Casa Civil já estaria lhe confirmando o acerto da escolha com seus primeiros movimentos. Lula tem variado de interlocutores, valorizando conselheiros que não eram do chamado núcleo duro, como o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e os petistas que estão fora da colméia brasiliense (os prefeitos Marcelo Déda e Fernando Pimentel e o governador Jorge Viana, por exemplo). A reforma será ampla, podendo levar à dispensa de todos os que serão candidatos em 2006. Isso não apenas poupa o presidente de fazer nova reforma em abril. Ministros candidatos são sempre uma fonte de dissabores. Primeiro porque, quando seus dias estão contados, passam a pensar mais na campanha do que na administração. Depois, há sempre o risco de tomarem medidas de caráter eleitoreiro. Lula tem ainda estimulado a busca de diálogo com a oposição. Em sua passagem por Brasília, na semana passada, Déda e Sigmaringa Seixas tiveram uma boa conversa com o líder tucano Arthur Virgílio, que convidaram para jantar. Outros emissários andariam cumprindo missões semelhantes, dando concretude à "mão estendida" que mencionou no pronunciamento de quinta-feira. Se a aliança institucional com o PMDB vingar, com todos os espinhos que esta relação promete, o governo ficará menos dependente dos partidos envolvidos com a denúncia do mensalão. No Congresso, a CPI continuará funcionando julho a dentro, mas a ocorrência do recesso para os demais ajudará a refrescar o ambiente. Já não haverá 513 deputados fofocando pelos corredores, nem sessões de luta livre no plenário. A outra CPI, para investigar apenas o mensalão no âmbito da Câmara, se instalada, também funcionará. Por fim, a reforma política pode ter alguns de seus projetos aprovados ainda antes do recesso. Ela não será uma pomada milagrosa, mas sua aprovação será pelo menos um sinal aos brasileiros desencantados com a política, no sentido de que a democracia representativa pode ser melhorada. A cláusula de barreira, medida mais importante para o enxugamento do quadro partidário, ainda pode ser restabelecida pelo plenário em 5% (reduzida que foi para 2% no projeto que será votado). O que parece impossível, porque as eleições estão logo ali, é a adoção do financiamento público de campanhas e do voto em lista já no ano que vem, e não em 2010, como previsto. Se tiverem noção do tamanho do desencanto popular, os congressistas fariam prevalecer logo estas mudanças. Os eleitores brasileiros têm dado provas de grande capacidade de adaptação às mudanças. Apesar da imensa exclusão digital, passaram na prova da urna eletrônica com perdas mínimas de voto. Sem um sinal de mudança, acontecerá o que os políticos temem: uma avalanche de votos nulos e em branco em 2006 nas eleições legislativas.