Título: APURAÇÃO, SIM, OPORTUNISMO E CIRCO, NÃO!
Autor: Arthur Virgílio Neto
Fonte: O Globo, 26/06/2005, Opinião, p. 8

O Brasil experimenta crise gravíssima, por ora política, cujos contornos, alcances e conseqüências ainda estão longe de ser definidos e delimitados. A CPI dos Correios começou bombástica, polarizando a sociedade e pondo a nu governo seriamente envolvido em suspeitas de toda ordem: corrupção, suposto suborno a deputados, novas notícias desabonadoras disputando, a cada momento, fartos espaços no noticiário de jornais, rádios e televisões.

O presidente Lula da Silva deixa-se imobilizar, foge do cerne e, perambulando pela periferia dos problemas, busca, sem legitimidade e sem eficácia, passar para a opinião pública que a crise seria do Congresso e não, originariamente, de um Executivo que teria resvalado para relações promíscuas e explosivas com parte de sua base parlamentar. As acusações a altos dirigentes petistas, a começar por Delúbio Soares e Sílvio Pereira, ameaçam, por dois anos e meio de postura desajustada, comprometer 25 anos de bela história partidária.

A propósito, o recente pronunciamento presidencial em cadeia de rádio e televisão foi patético. Surgiu diante de nós um Lula inseguro, enfadonho no seu "pela primeira vez neste país um governo... blablablá", exibindo números absurdos - "12 milhões de famílias beneficiadas pela transposição (futura) das águas do Rio São Francisco" - e informações mentirosas: "Criei um órgão, a Controladoria-Geral da União, para combater a corrupção", omitindo a verdade verdadeira dos fatos, pois foi Fernando Henrique a criar a Corregedoria-Geral, entregue à procuradora da República Anadyr Mendonça, cabendo a Lula, cosmético como sempre, apenas trocar o nome da PGU para a atual CGU, sem mexer, essencialmente, nas destinações originais.

No Congresso, o governo se desarticulou. Jamais consolidou maioria verdadeira no Senado, onde perde no voto toda vez que aceita o embate direto e o dissenso aberto. Na Câmara dos Deputados, o quadro é de perplexidade: há poucos dias, a inépcia permitiu a aprovação de emenda à medida provisória do salário-mínimo, que o Planalto pretende em R$300 e a incompetência permitiu elevar para R$536. Para "organizar" o caos, o jeito foi anular essa votação, estabelecendo-se outra, saneadora, que não apagou o gosto amargo da alienação e do atordoamento.

É por tudo isso que o PSDB e, de modo geral, as oposições têm exibido face, a um tempo, firme - exigindo apuração rigorosa dos atos de delinqüência - e prudente, evitando acrescentar dados artificiais à crise monumental que aí está. O lema é: apuração, sim! Oportunismo e circo, definitivamente, não!

É por essas razões que o PSDB, que não abre mão da apuração de tudo sobre os Correios e, igualmente, sobre o aberrante mensalão, prefere ver instalada a inevitável investigação parlamentar do caso Waldomiro Diniz somente a partir de agosto ou em substituição a alguma CPI que, nos próximos tempos, esteja a encerrar seus trabalhos. Objetivos claros: a) não desviar o foco da CPI dos Correios e do escândalo do mensalão; b) não contribuir para a agudização do precário equilíbrio político do governo Lula, em nome da estabilidade da economia e da sociedade brasileiras; c) aproveitar os próximos momentos para avaliar os impactos dos escândalos, em curso, sobre a vida do país.

A omissão seria criminosa. Por outro lado, alimentar a fogueira do desleixo e da licenciosidade petistas com a gasolina da imprevidência não me parece o melhor caminho.

As grandes crises servem, também, para medir o tamanho dos homens públicos e dos partidos que representam. O PSDB alia - por que outros não agiram assim no passado recente? - inflexibilidade diante da corrupção ao comportamento sóbrio dos que não vieram à luz para desmerecer a História.

Até porque o PSDB combate essa coisa lamentável que é o governo Lula e não os interesses legítimos de um país chamado Brasil.

ARTHUR VIRGÍLIO NETO é líder do PSDB no Senado Federal.

A crise, que é monumental, exige firmeza e prudência da oposição