Título: CAMPANHA JÁ TIROU DE CIRCULAÇÃO 360 MIL ARMAS
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 26/06/2005, O País, p. 17

Prorrogação ajuda a incentivar a mobilização pela realização do referendo sobre a venda de armamento em outubro

SÃO PAULO. Prorrogada na quinta-feira, a Campanha Nacional de Desarmamento prosseguirá até outubro, marcada pelo sucesso de já ser a segunda maior mobilização de entrega de armas no mundo. Perde apenas para a da Austrália, que, em campanha semelhante, arrecadou 640 mil armas em 2001. A mobilização nacional superou a expectativa do governo brasileiro de receber 80 mil armas: já foram entregues 360 mil.

O anunciado final da campanha provocou um aumento das entregas, considerado importante para estimular o recolhimento na nova etapa. Na avaliação do diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne, de São Paulo, com a prorrogação o desarmamento volta à carga com o adicional da campanha do referendo que decidirá, em outubro, sobre a proibição do comércio de armas.

- Como cerca de 80% da população aprovam a proibição do comércio de armas e munição, é uma ótima oportunidade para que mais armas sejam entregues. Apenas no estado de São Paulo são mais de mil postos de entrega - diz Mizne.

O volume de armas arrecadadas deve crescer com a ampliação do número de postos de arrecadação e a campanha do referendo, inicialmente marcado para 2 de outubro. Mas a consulta popular ainda precisa ser aprovado na Câmara, o que deve acontecer até quinta-feira. Passado esse prazo, o referendo não poderá ser feito este ano.

- Os que não querem permitir o referendo são 20 ou 30 deputados, que defendem a indústria do armamento. Eles querem impedir que 120 milhões de brasileiros sejam ouvidos - critica Mizne.

Na avaliação das ONGs que trabalham pelo desarmamento, o fundamental do referendo é o debate e não apenas a proibição de venda de armas.

- O referendo não é a salvação da lavoura, mas um passo a mais para caminhar. A vitória do referendo é a vitória da sociedade que aponta para o coletivo e não para o cada um por si e todo mundo armado. Levando em consideração que duas mil pessoas deixaram de morrer de 2003 a 2004 apenas em São Paulo é de se indagar: neste período, quantas outras leis o Congresso fez com um efeito tão relevante? - argumenta o diretor do Sou da Paz.

Conscientização é o principal fator do sucesso

Redução de mortes e de roubo de armas são resultados de campanha

SÃO PAULO. Segundo Denis Mizne, do Instituto Sou de Paz, a Campanha Nacional do Desarmamento é um sucesso porque o brasileiro está se conscientizando da importância de um país sem armas.

- A campanha é sucesso por diversos motivos, mas os dois principais são o fato de a população ter entendido que a arma que tem em casa é que vai para as mãos do bandido e o medo de que aconteça alguma tragédia dentro de casa - diz ele, observando que a indenização, de R$100 a R$300, para cada arma entregue não aparece entre os principais motivos do cidadão.

De acordo com o diretor do Instituto Sou da Paz, diversos números confirmam o acerto do desarmamento da população. Segundo a Polícia Federal, entre 2003 e 2004 o número de armas roubadas caiu 60%. Eram roubadas 40 mil armas em 2003 e no ano passado foram 15 mil. Os acidentes com armas de fogo diminuíram, assim como o número de internações de pessoas atingidas por balas no segundo semestre de 2004 em comparação ao mesmo período de 2003: 10,5% no Rio, 7% em São Paulo e 7% em Belo Horizonte.

Número de homicídios caiu 18,5% em São Paulo

As pesquisas de opinião mostram que a população não quer armas: 83% em São Paulo, 82% no Rio, 70% no Paraná. A queda no número de homicídios em São Paulo foi 18,5% de 2003 para 2004, de 11% em Pernambuco e 27% no Paraná.

- Esses números não são conseqüência apenas da campanha. Também estão relacionados à entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, que proibiu o porte de arma, considerado crime inafiançável, e ao maior controle das empresas de segurança privada - explica Mizne.

Os problemas causados pelo uso de armas são diferentes em cada país. No Brasil, conforme análise do Sou da Paz, as regiões que mais sofrem são as periferias e as favelas das regiões metropolitanas.

- A violência não é apenas provocada pela pobreza e sim pelo agravamento da desigualdade social. Não se controla armas sem trabalhar os problemas sociais. É preciso programas para os jovens e que melhorem a qualidade da polícia - propõe Mizne.

Uma combinação desses programas, que trabalham com jovens e com a melhoria do atendimento policial, está sendo feita no Jardim Ângela em São Paulo, onde vivem cerca de 300 mil pessoas e que em 1996 foi considerado o lugar mais violento do mundo. Em cinco anos, segundo o Sou da Paz, o número de homicídios caiu 73%.

- Isso mostra que já temos solução para os nossos problemas. Não precisamos mais importar o Tolerância Zero, de Nova York, ou o Milagre de Boston - compara.

Legenda da foto: MIZNE: "OS que não querem permitir o referendo são 20 ou 30 deputados"