Título: Campo de guerra
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 30/06/2005, O Globo, p. 2

O presidente Lula precisa desconfiar de tudo o que lhe propõem nesta hora. Há alguns dias, em conversa com os presidentes da Câmara e do Senado, dispôs-se a retirar alguns pedidos de urgência e a revogar alguma MP se isso ajudasse a desobstruir as votações. Ao fazer isso ontem, propiciou a aprovação da CPI do Mensalão na Câmara, contra as pretensões da oposição, de instalar uma CPI mista sobre o caso.

O resultado foi um canhonaço verbal dos oposicionistas, acusando Lula de estar manipulando a agenda parlamentar para ajudar os petistas a conter as investigações sobre o suposto mensalão.

- Ele deixou suas impressões digitais com esta manobra - acusava, exaltado, o líder pefelista Rodrigo Maia.

Segundo pelo menos um auxiliar, o presidente não conhecia a ordem das matérias em pauta nem exatamente as votações que seriam favorecidas com sua iniciativa. Haviam lhe dito antes que uma delas seria o projeto que regulamenta o referendo ao desarmamento, que realmente passa da hora de ser aprovado. Ontem, os líderes na Câmara, com apoio do presidente Severino Cavalcanti, teriam feito o pedido nos termos antes discutidos e cumpriu a promessa: mandou retirar três pedidos de urgência e revogar a MP 249, que trancava a pauta.

A oposição, que também já aplicara uma rasteira ao governo fazendo instalar a CPI dos Bingos/Waldomiro, vociferou. O presidente, dizia ainda Rodrigo Maia, fez algo muito grave:

- Diz que deseja investigações cabais mas atuou para impedir a CPI mista do Mensalão.

- São claros os sinais de que, apesar do discurso, eles querem restringir e controlar o processo - diz o senador tucano Sérgio Guerra sobre a CPI dos Correios, lembrando a batalha de um dia inteiro, tida ontem, para se quebrar o sigilo do publicitário Marcos Valério.

Que diferença haverá entre uma CPI e outra?, perguntarão os brasileiros atônitos com tantas denúncias, sedentos de apuração e convencidos de que as CPIs são instrumentos mais confiáveis de investigação. Dizem os governistas que, sendo o mensalão uma acusação que pesa contra deputados, não cabe ao Senado investigá-los. De fato, nunca houve tal precedente. A CPI dos anões do orçamento foi mista, investigou deputados e senadores, mas eles integravam a poderosa Comissão Mista de Orçamento. A oposição, por sua vez, enxerga na opção por uma CPI da Câmara um sinal de que o PT, com a ajuda do corporativismo, vá controlar as investigações e produzir uma pizza.

O deputado petista José Eduardo Cardozo, da CPI dos Correios, contrapõe:

- O curso dos trabalhos na CPI está mostrando que não existe controle e muito menos CPI chapa branca. Hoje mesmo aprovamos a quebra do sigilo bancário de Marcos Valério, como queria a oposição. O que não queriam é que tal quebra retrocedesse a cinco anos, pois já no governo passado o faturamento da agência DNA foi muito maior que no governo atual - diz Cardozo, mostrando números significativos mas que só ganharão sentido com mais esclarecimentos.

No limite, as rasteiras parlamentares fazem parte do jogo. O presidente é que não pode entrar nele. Mas pior mesmo, no dia de ontem, foi o não comparecimento dos petistas Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno à Comissão de Sindicância da Câmara para prestar esclarecimentos. José Genoino foi, assegurou que não prometeu nem deu ajuda de campanha ao PT, e foi desmentido pelo líder petebista José Múcio. Mas os outros ficaram em situação mais vulnerável. Nestas horas, fugir da raia é a pior das táticas.

Pegar ou largar

Apesar da carta do deputado Michel Temer, informando-o de que não será possível garantir o apoio integral do PMDB ao governo, o presidente Lula ainda pretende insistir, conversando com Orestes Quércia e alguns governadores. Perde tempo. A mercadoria que o PMDB pode lhe entregar é o voto dos 19 (entre 22) senadores e de 52 (entre 85) deputados que subscreveram um compromisso de apoio. Entre os deputados, os 33 restantes são ligados a Garotinho, a Quércia ou são do Rio Grande do Sul, onde PT e PMDB jamais vão se entender. O que deve existir é que os signatários das listas honrem o acordo.

O senador Mercadante entende que o acordo está de bom tamanho e que isso garantirá mais ministérios ao PMDB. Um deles está praticamente certo, Silas Rondeau, presidente da Eletrobrás, para Minas e Energia. Com apoio de Sarney e bênção da ministra Dilma Rousseff. Mas os novos ministros, para garantirem apoios na bancada, não podem mais sair só do bolso dos caciques. O deputado mineiro Maurício Siqueira reclamava ontem.

- A bancada fica sabendo das indicações pelo jornal. Nós, do PMDB de Minas, temos um grande nome para Minas Energia, o de Djalma Morais, presidente da Cemig, ex-ministro de FH, excelente técnico. Mas não temos nem chance de indicá-lo, nem que seja na base do faz-de-conta.

Tucanos e petistas

O governador Aécio Neves saiu do encontro com Lula realmente disposto a ajudar a construir uma agenda positiva para agosto, sobre a qual conversará com outros governadores ao longo de julho, em sintonia com o ministro Palocci.

- Acho que pode surgir o momento para um grande mutirão em torno da reforma tributária e das compensações para as perdas dos estados com a Lei Kandir, além da reforma política. Podemos perfeitamente tocar esta agenda sem atrapalhar as investigações - diz ele.

Os tucanos parlamentares, entretanto, fizeram muxoxos. E Fernando Henrique avisou que o campo está minado. Na contramão de Lula e Palocci, o líder do governo, Arlindo Chinaglia, também fez ontem um duro ataque aos tucanos. Ou seja, tanto quanto em relação ao PMDB, Lula deve contar com pontes isoladas de boa vontade junto aos tucanos.