Título: Valério sofrerá devassa
Autor: Adriana Vasconcelos e Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 30/06/2005, O País, p. 3

CPI quebra sigilo de publicitário, que muda versão de novo

Foram necessárias quase seis horas de negociações e discussões acaloradas entre governo e oposição, mas a CPI dos Correios aprovou ontem a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza. A quebra do sigilo das empresas de Valério, no entanto, só deve ser votada hoje pela CPI. Acusado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) e por sua ex-secretária Fernanda Karina Somaggio de ser um dos principais operadores do esquema de pagamento de mesadas para parlamentares da base aliada, Valério é sócio da SMP&B Comunicação e da DNA Propaganda. Segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), foram sacados em dinheiro das contas dessas duas empresas R$20,9 milhões em menos de dois anos.

Em depoimento à Polícia Federal ontem, Valério desmentiu a versão que tinha apresentado em entrevista de que os saques em dinheiro eram para a compra de gado. Ele agora alega que fez os saques para comprar ativos, pagar a fornecedores e distribuir lucros entre seus sócios nas agências DNA e SMP&B. O publicitário não informou quais ativos foram comprados e quem são os fornecedores das duas agências.

Valério negou aos delegados da PF que tenha repassado dinheiro do PT a parlamentares da base aliada, como denunciou Roberto Jefferson. O delegado Luís Flávio Zampronha, responsável pelo inquérito sobre o suposto mensalão, considerou a versão do publicitário confusa e pediu ao Instituto Nacional de Criminalística uma perícia contábil nas declarações de renda de Valério. A PF quer saber se a renda declarada é compatível com a evolução patrimonial dele.Valério chegou à sede da PF por volta das 13h e só deixou o prédio às 21h.

A versão da compra de gado fora dada por ele no último fim de semana, depois que a "IstoÉ" divulgou relatório do Coaf mostrando saques de R$20,9 milhões em espécie. Valério confirmou ainda que pode ter havido coincidência entre as datas dos saques e suas viagens a Brasília. O publicitário disse que isso é possível porque ele viaja com freqüência. Valério se comprometeu a entregar à PF documentos que comprovariam a legalidade de sua movimentação financeira.

Base exigiu apurar também governo FH

Na CPI dos Correios, os governistas só aceitaram votar o requerimento da oposição propondo a quebra de sigilo de Marcos Valério com a condição de que o prazo de investigação fosse dos últimos cinco anos, o que poderá estabelecer as relações do publicitário com autoridades do governo passado. O deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) chegou a ler um relatório dos pagamentos de contratos de publicidade entre a administração direta e a SMP&B e a DNA de 2001 a 2005. Nos dois últimos anos do governo de Fernando Henrique teriam sido pagos R$39,4 milhões às duas empresas, enquanto nos dois primeiros anos do governo Lula os gastos ficaram em R$14,8 milhões, segundo ele.

A comparação entre o atual governo e o passado acirrou os ânimos da CPI.

- Já que o deputado José Eduardo Cardozo quer politizar as investigações da CPI, não tem problema. O PSDB não vai se opor a qualquer investigação em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, mas é bom lembrar que a atual crise é do governo e são os senhores que têm de administrá-la. Se for para fazer palhaçada ou politicagem, teremos mais facilidade, mesmo porque somos da oposição - reagiu o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ).

O presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), fez um apelo ao bom senso de todos:

- Se perdermos o fio da meada, essa CPI não vai dar em nada. No afã de abrir o leque de nossas investigações corremos o risco de não investigar nada. Quem vai perder não é apenas o governo, mas todos nós. Precisamos de lógica e de bom senso, por isso faço esse alerta.

Comissão pode fazer acareação

A CPI desistiu de ouvir ontem os depoimentos de três ex-diretores dos Correios - Antônio Osório (Administração), Eduardo Medeiros (Tecnologia) e Maurício Madureira (Operações) - e remarcou-os para hoje. Ficou acertado que, na próxima quarta-feira, serão ouvidos Marcos Valério e Fernanda Karina, em depoimentos separados. O relator da comissão, Osmar Serraglio (PMDB-PR), não descarta a possibilidade de haver uma acareação entre os dois. Os representantes da base resistiram bastante à convocação do publicitário, chegando a irritar Delcídio:

- Até parece que é o Bush que vai cair. Ele (Marcos Valério) vai vir sim - decidiu o presidente da CPI, encerrando uma discussão reservada com o deputado Maurício Rands (PT-PE) e a senadora Ideli Salvatti (PT-SC).

Rands e Ideli insistiam na tese de que a CPI deveria manter a lógica da investigação terminando de ouvir primeiro os arapongas envolvidos na gravação que flagrou Maurício Marinho. Ficou decidido, então, que na próxima terça-feira serão ouvidos: Jairo Martins, Fortuna Neves, Edgar Lange e Casser Bittar. Na semana seguinte serão ouvidos os demais diretores e ex-presidentes dos Correios, além de Luiz Otávio Gonçalves, presidente da Skymaster, cujo o contrato com a estatal é apontado pelo deputado Roberto Jefferson como irregular.

Menos de meia hora depois de sua abertura, a sessão da CPI foi suspensa por Delcídio para que fosse feito um acordo sobre os requerimentos que seriam votados. Depois de quase três horas de discussões, os integrantes da CPI aprovaram em bloco 15 requerimentos, entre eles um que garante o funcionamento da comissão durante o recesso parlamentar de julho. Em seguida, deu-se início às votações das quebras de sigilos. O primeiro a ser aprovado foi o do empresário Artur Wascheck Neto, responsável pela gravação do flagrante de Marinho pedindo propina. Depois da aprovação da quebra de sigilos de Marcos Valério, a sessão foi novamente suspensa por conta do início da ordem do dia do Senado. Os depoimentos dos ex-diretores dos Correios só foi iniciado depois das 20h.

Legenda da foto: MARCOS VALÉRIO na comissão de sindicância da Corregedoria da Câmara, depois do depoimento na Polícia Federal