Título: Fazendas de Marcos Valério na BA só existiriam no papel
Autor: Heliana Frazão
Fonte: O Globo, 30/06/2005, O País, p. 5

Entidades desconhecem propriedades em nome de agências

SALVADOR. Não fosse pelo escândalo do mensalão, o publicitário Marcos Valério e as agências DNA e SMP&B seriam completamente desconhecidos no município de São Desidério, no oeste da Bahia. Apesar de as agências terem registrado no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) do Incra serem donas de dez fazendas na região, nenhuma entidade ligada à agropecuária na Bahia ouviu falar em investimentos feitos no setor por Valério ou pelas empresas.

Da lista das supostas fazendas que pertenceriam a Valério, apenas uma é conhecida e coincide com o nome de uma propriedade existente naquele município. Trata-se da Fazenda Barra, que, de acordo com registros do cartório de São Desidério, pertence à empresa Carvic Empreendimentos Comerciais.

Região tem fazendas "de segundo andar"

Um dos sócios da Carvic, Victor Abou Nehmi Filho afirma que, nos seus cinco anos de atividade ligada à pecuária em São Desidério, nunca ouviu falar em Marcos Valério, na DNA, na SMP&B e muito menos nas supostas fazendas.

- Estamos entre os maiores criadores de gado do município e conhecemos bem aquela região. Nunca ouvi falar da existência dessas fazendas, o que seria natural, já que alguns dos seus nomes coincidem com o da nossa - disse Victor Abou.

Ele disse ainda que é comum na região surgirem fazendas conhecidas como de "segundo andar", ou seja, que só existem no papel:

- Não posso afirmar que é o caso, mas é comum empresas se valerem desse tipo de negócio escuso para engordar seu patrimônio, geralmente com o objetivo de obter financiamento ou prestar algum serviço público.

Segundo Victor Abou, essas fazendas que só existem no papel são "compradas" por valores irrisórios, se comparados aos de mercado, entre R$10 mil e R$20 mil, mas apresentadas com valor real. Ele contou ainda que ontem apareceram quatro homens, apresentando-se como repórteres, pedindo para filmar sua propriedade, a Barra:

- Quando pedimos para se identificarem, com documentos, eles desconversaram, entraram no carro, um Pálio preto placa HCS-2714, de Belo Horizonte (MG), e foram embora.

Ele suspeita que a equipe estivesse a serviço do publicitário, com o objetivo de obter imagens com o nome da fazenda para usá-las como comprovação da existência de uma de suas supostas propriedades.

Em Belo Horizonte, o sistema do Incra confirmou que as agências DNA e SMP&B registraram ser proprietárias ou posseiras de dez fazendas na Bahia. As fazendas somariam 42 mil hectares. Segundo as declarações das agências, nove ficariam no município de São Desidério, a 684 quilômetros de Salvador, e uma em Riachão das Neves, a 900 quilômetros da capital baiana.

No cadastro de pessoas físicas não constam terras em nome de Marcos Valério e nem da mulher dele, Renilda Maria. Das dez supostas propriedades na Bahia, as fazendas Barra I, Barra II, Barra III, Bom Jesus I, Bom Jesus II, Alvorada e Alvorada I, todas em São Desidério, e a Fazenda Barra, em Riachão das Neves, em nome da DNA. As fazendas Cristais I e Cristais V estão em nome da SMP&B.

A DNA disse ser dona das terras e que elas são mantidas como garantias de pendências jurídicas com o INSS. A assessoria da empresa negou que haja criação de bois nas fazendas mas também não explicou o que produz lá. A assessoria da SMP&B confirmou a propriedade das duas fazendas mas disse que não são os imóveis citados por Marcos Valério. E também disse não ter informações sobre o que produz nas terras.

COLABOROU Itamar Mayrink