Título: Oportunidade
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Fonte: O Globo, 30/06/2005, Opinião, p. 6

A crise é do Congresso e lá deve, e será, resolvida. Para tanto, os instrumentos disponíveis já foram acionados. Em vez de paralisar-se perante os acontecimentos, o Congresso, mais uma vez, fará do limão uma limonada. Transformará, como sugere o ideograma chinês, a crise em oportunidade. E a oportunidade que essa crise oferece é a de, enfim, materializar a reforma política.

Há, nela, quatro pontos fundamentais a serem considerados: fidelidade partidária, listas fechadas, cláusula de barreira contra legendas de aluguel e financiamento público das campanhas.

A fidelidade partidária é indispensável. Sua ausência está na origem de grande parte das distorções do atual quadro partidário. Não basta, porém, estabelecê-la. É preciso criar outros dispositivos que a incentivem. E aí, por meio de engenhos criativos, pode-se associar um sistema de mérito nas listas fechadas de candidatos do partido ao de estímulo à fidelidade.

Num sistema de listas fechadas baseado no mérito, os candidatos mais votados na eleição anterior e os candidatos que foram para o sacrifício consciente ocuparão o topo da lista. Os que recém-chegaram vão para o último lugar.

Com relação à chamada cláusula de barreira, necessária para evitar a proliferação de legendas de aluguel, sem qualquer representatividade, é preciso cuidar para que não se transforme numa blindagem definitiva contra o surgimento de novos partidos. Daí por que é preciso que se estabeleça um sistema que permita a ascensão gradual de um partido do plano municipal para o federal. Se um movimento social de alguma expressão nasce num município do interior, digamos, de Minas Gerais, a lei deve permitir que se organize num partido e dispute a eleição naquele âmbito, para prefeitura e câmara municipal.

Para ascender ao plano nacional, será preciso que comece a se estabelecer num número mínimo de estados para disputar cadeiras na Câmara dos Deputados, Senado Federal e Presidência da República. Com isso, evitam-se fenômenos artificiais e burlescos de partidos de um líder só, como o Prona e outros.

Por fim, o financiamento público de campanhas. No quadro atual, a adoção desse mecanismo pouco alteraria em relação ao que acontece. O financiamento clandestino não cessaria. Mas, num quadro saneado pelas medidas acima expostas, seria o coroamento de toda essa renovação. Transparência e compromisso são os ganhos de uma reforma que estabeleça esses procedimentos.

PAULO LUSTOSA, ex-deputado federal (CE), é secretário-executivo do Ministério das Comunicações.

Cláusula de barreira não deve impedir surgimento de partidos