Título: DEFESA DO ELEITOR
Autor: Jorge Maranhão
Fonte: O Globo, 30/06/2005, Opinião, p. 7
A tagarelice dos políticos em torno de CPIs aumenta no noticiário na proporção direta das investigações da corrupção e de suas conexões com os mesmos políticos.
Quase não sobra espaço na opinião pública para a expressão da crença mesma nos princípios e valores genuínos da democracia por parte dos cidadãos eleitores, cada dia mais indignados com essa sensação difusa de desordem, desgoverno e desrepresentação política. Com a cobertura maciça de toda sorte de bandalha, fica parecendo que a mídia é mais cativa da pauta dos interesses dos políticos eleitos do que da vontade dos cidadãos eleitores.
Pois a precipitação do processo pré-eleitoral e a antecipação do debate e do julgamento político do governo é agenda do interesse dos políticos e não necessariamente a agenda de interesse da cidadania. Faz-se portanto urgente que as lideranças sociais aprendam a perceber as sutis diferenças na apresentação dos fatos e dos fenômenos políticos pela mídia, quando fatos políticos (e não factóides!) se enraízam obrigatoriamente na participação política da sociedade, enquanto estes últimos são meramente resultantes do jogo de poder dos políticos ou da ação investigativa da mídia incitada pelos mesmos.
No entanto, cresce na mídia, ainda que timidamente, a abertura de novos espaços para a defesa do eleitor e da cidadania. Quem poderia imaginar que as editorias de economia, quinze anos atrás, quando do advento do Código de Defesa do Consumidor, abririam maiores espaços para destacar a defesa do consumidor nas suas páginas, que até então cobriam apenas os agentes de produção?
Seguindo o mesmo modelo, urge que os grandes veículos de comunicação do país iniciem uma cobertura mais consistente dos fatos políticos sob a ótica dos interesses dos cidadãos eleitores, e não apenas das corporações dos políticos eleitos. São compromissos de responsabilidade política da mídia brasileira que, de resto, é um dos segmentos de excelência de nossa cultura. Não tanto pela sua face de entretenimento, quando um célebre autor de novelas ainda dorme no ponto e deixa prevalecer a solução do linchamento moral e do apedrejamento diante da revelação da corrupção de um prefeito de interior! Mas seguramente pela crescente aliança das editorias políticas com os legítimos protagonistas do processo político democrático que são os próprios cidadãos eleitores.
Cada dia mais espaço a mídia dedica à cobertura rigorosa dos processos ao invés da fácil produção da "denúncia", que só alarma e desmobiliza a cidadania. Cada dia a mídia está mais consciente do custo econômico de instauração de processos de julgamento político no âmbito do Legislativo, que não garantem necessariamente o desfecho penal reclamado pela opinião pública mas, muito pelo contrário, servem mesmo ao solapamento do processo judiciário.
É a velha síndrome da desordem institucional brasileira produto da miséria cultural das elites: um Executivo que exorbita de suas funções constitucionais se arrogando a prerrogativas legiferantes e um Legislativo invadindo a área de competência judiciária. Um time de mascarados onde ninguém passa a bola para o outro. E a resultante disso é a paralisação do país, o constrangimento do crescimento econômico pela renitente ameaça de instabilidade institucional.
Urge que a mídia desnude os mistificadores e usurpadores do processo político brasileiro e corra em defesa do eleitor assim como tem sido vigilante na defesa do consumidor. Que não se restrinja apenas às notícias do fenômeno eleitoral, mas avance na cobrança política dos mandatos e sob a ótica do interesse dos eleitores, para discernir os que são de interesse real da cidadania daqueles que são apenas de interesse dos eleitos.
Uma defesa do eleitor é a maior aposta da mídia na estabilidade das instituições democráticas, a começar na responsabilidade política de mais representar o perene poder da cidadania do que o passageiro poder de seus representantes políticos. O resto não passa de arrogância ou ignorância sobre o legado dos valores políticos da democracia, a verdadeira miséria cultural de nossas elites que a mídia tem de ajudar a debelar antes de qualquer outra miséria social!
JORGE MARANHÃO é publicitário e diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão.