Título: UMA NOVA CONSTITUINTE
Autor: Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira
Fonte: O Globo, 30/06/2005, Opinião, p. 7

Uma democracia dá sinais de maturidade quando denúncias graves vêm a público e suas instituições não se abalam. Só uma democracia sólida é capaz de enfrentar e vencer o desafio de depurar suas instituições, mesmo que uma destas instituições seja o próprio Parlamento. Por mais chocantes que sejam, as denúncias que acabam de vir a público oferecem a oportunidade de realizar mudanças institucionais profundas no país. A reforma política se impõe hoje como uma destas transformações inadiáveis.

A Firjan foi a primeira entidade do país a se bater publicamente pelas reformas, inclusive a política. São quase dez anos de pregação em favor da ruptura com um sistema político que está com prazo de validade vencido. A reforma política não é a panacéia para todos os males da sociedade brasileira, mas ela tem o poder de atacar problemas da maior gravidade. É indispensável enfrentar temas como regulamentação do sistema eleitoral, financiamento público de campanhas, fidelidade partidária, cláusula de barreira e voto distrital, entre tantos outros.

O grande problema é que, quanto mais se posterga o debate, mais difícil se torna sua aprovação. Quem tem acesso a recursos não declarados não se interessa em discutir o financiamento público. E à medida que o tempo passa, a tendência é de que cresça o contingente de agraciados pelo chamado caixa dois. Ou seja, cresce o contingente de inimigos da reforma política. O círculo vicioso precisa ser rompido o quanto antes, sob pena de inviabilizar a substituição de um sistema que abre as portas à corrupção.

O que parece claro no momento é que a reforma política só atingirá seus objetivos se os homens de bem do Parlamento arregaçarem as mangas. Ela não pode evidentemente ser conduzida ou liderada por quem não tem real interesse em realizá-la. O Parlamento brasileiro contou, em sua história, com homens da estatura moral e intelectual de Ruy Barbosa, Tancredo Neves, Getúlio Vargas, Fernando Henrique, Lula, Ulysses Guimarães, Themístocles Cavalcanti, Teotônio Villela, Mário Covas, Daniel Krieger, Fernando Ferrari, Mílton Campos, Oswaldo Aranha, Darcy Ribeiro e tantos cidadãos notáveis. Está na hora de os grandes nomes do Parlamento se apresentarem para conduzir as mudanças que vão alterar a face da instituição a que pertencem.

Um destes grandes brasileiros foi Afonso Arinos de Mello Franco. Como se sabe, foi batizada com seu nome a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, criada em 1985, por Tancredo Neves, para apresentar estudos jurídicos que servissem de base para o anteprojeto da Carta de 1988. A Comissão Afonso Arinos foi integrada por 50 notáveis, cidadãos de reputação irretocável, todos com grandes serviços prestados à Nação. Muitas conquistas da Constituição de 1988 se devem à inspiração e aos trabalhos da Comissão Afonso Arinos.

É o caso de se estudar agora a criação de um fórum suprapartidário nos mesmos moldes. Hoje está claro que há um déficit de credibilidade no país. Um fórum integrado por cidadãos que gozam de amplo reconhecimento público eliminaria desconfianças de qualquer ordem, além de contribuir, pelo brilho intelectual de seus participantes, com idéias e soluções modernas e inovadoras.

Nada mais justo quando se trata de aprimorar a Carta de 1988. Talvez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pudesse utilizar o CDES como veículo de mobilização e articulação dos trabalhos deste fórum. O fato é que o país não comporta mais um sistema político como o atual, com todos os seus vícios e anacronismos. É o momento, antes de tudo, de somar esforços em nome da governabilidade, da ética, da transparência e da boa gestão pública. A reforma política é instrumento essencial de combate à corrupção, e isso hoje está muito claro.

Fica aqui a sugestão de uma nova Comissão Afonso Arinos, capaz de liderar não apenas a elaboração dos termos de uma ampla reforma política como também de outras alterações indispensáveis à Carta de 1988. Está na hora de firmar um arcabouço legal que permita ao país crescer de forma sustentada, adequando-o aos reais anseios da sociedade. O novo Congresso, empossado em 2007, teria poder constituinte para fazer valer o que fosse discutido pela Comissão.

EDUARDO EUGENIO GOUVÊA VIEIRA é presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

O novo Congresso, eleito em 2007, poderia realizar as mudanças na Constituição