Título: GOVERNO QUER APOIO PARA DÉFICIT NOMINAL ZERO
Autor: Enio Vieira/Martha Beck/Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 30/06/2005, Economia, p. 23

CUT é contra por temer uma redução de gastos sociais. Bradesco alerta para inviabilidade política da proposta

BRASÍLIA e RIO. Os representantes do empresariado e do setor financeiro estão dispostos a apoiar a proposta do ex-ministro e deputado Delfim Netto (PP-SP) de usar o déficit nominal como bússola da política fiscal brasileira. A idéia, contudo, enfrenta resistência da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que teme a desvinculação das verbas sociais, e do próprio setor bancário. Ontem, o Bradesco divulgou relatório no qual alerta para a inviabilidade política da proposta.

Delfim Netto sugere que o governo busque gradualmente o déficit nominal zero (no qual a arrecadação equivaleria à soma das despesas correntes com os encargos da dívida pública). O governo acolheu a idéia, mas decidiu submetê-la aos agentes econômicos, em razão das dificuldades em aprovar projetos no Congresso Nacional.

Na próxima terça-feira, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e do Planejamento, Paulo Bernardo, terão um jantar com empresários e políticos, organizado por Delfim. Será o lançamento oficial da proposta. O Ministério da Fazenda quer o apoio de empresas e bancos para não assumir sozinho o custo político da idéia.

- Temos perdido quase tudo. Por isso, qualquer medida que seja enviada ao Congresso tem que ser muito bem discutida. Delfim é muito influente e pode ajudar a avançar no debate com vários segmentos da sociedade - disse uma fonte da Fazenda. Nas últimas semanas, o governo foi derrotado nos projetos de extinção da Rede Ferroviária Federal e da criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar.

Indústria e bancos estão dispostos a apoiar a redução gradual do déficit nominal para baixar a dívida pública e as taxas de juros. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, considerou a proposta oportuna, bem como o economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Luís Roberto Troster. Para Troster, a proposta pode ajudar na política de controle à inflação.

- Com meta de déficit nominal, cresce a confiança e se abre espaço para queda do juro - disse Monteiro.

Mas relatório do Bradesco afirma que, num cenário de juros reais declinantes, a dívida pública cairia mais se fosse mantida a atual meta de superávit de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) do que mirando o déficit zero. No texto, o economista-chefe do banco, Octavio de Barros, diz que "o mais relevante para a avaliação da solvência fiscal de um país é a evolução da relação dívida-PIB".

Barros: superávit primário teria que ser cada vez maior

Ele argumenta que a atual meta de superávit primário só é mais rígida que o modelo proposto por Delfim Netto quando o juro real é declinante. Em momentos de pressão sobre juros e/ou câmbio, o déficit nominal zero pressionaria a dívida e obrigaria o governo a produzir superávits primários cada vez maiores.

"Um déficit nominal zero pode implicar na necessidade de se realizar um superávit primário superior a 5% do PIB. Em caso de cenário negativo, bem maior que isso", diz o banco.

A tese de Delfim é que a redução do déficit nominal permitiria, em cinco anos, queda dos juros reais (descontada a inflação) dos atuais 13% para 6% ao ano. Isso, em tese, geraria sobra de R$50 bilhões para investimentos em outras áreas. Em 2005, estão previstos R$253 bilhões de receitas vinculadas (área social e juros) sobre as quais o governo tem pouca margem de ajuste porque representam 80% do Orçamento. Delfim defende aumento de 20% para 40% da desvinculação de verbas da área social, além do congelamento de gastos com a máquina pública e choque de gestão para poupar recursos.

A CUT argumenta, em documento, que a proposta põe mais uma vez na mira os recursos para a área social, onde está a maior parte das vinculações. A entidade também não crê que a proposta será bem recebida no Congresso.

Traduzindo o Economês

Desde 1998, quando o Brasil teve de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para recompor as reservas cambiais, o governo vem cumprindo metas anuais de superávit primário. Para ajustar suas contas, o setor público (União, estados, municípios e estatais) se comprometeu a gastar com despesas correntes (que não incluem encargos da dívida) bem menos do que arrecada. Este ano, a meta de superávit é a mesma de 2004: 4,25% do PIB.

A economia, de R$83 bilhões, é insuficiente para cobrir os encargos de R$155 bilhões da dívida pública, que sobem sempre que juros e/ou dólar aumentam. Por isso, mesmo com o superávit primário alto, o déficit nominal (que engloba despesas correntes, juros e correção monetária) só faz crescer. Daí a idéia de usar como meta o resultado nominal.