Título: A AGONIA DA JUSTIÇA
Autor: LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA
Fonte: O Globo, 01/07/2005, Opinião, p. 7

Existem quatro grandes problemas entravando um maior crescimento econômico sustentado do país: 1) os juros altos; 2) a agonia da Justiça; 3) a reforma tributária; 4) a reforma política. O presente artigo analisa o segundo desses macroproblemas.

Estudos de economistas convergem para a constatação que tão graves quanto os juros altos para uma maior atividade econômica é a situação da nossa Justiça. A morosidade do processo, o excesso de formalismos, o alto custo das demandas, a insegurança de decisões antagônicas sobre as mesmas questões; tudo leva a uma sensação de agonia de nosso sistema judicial.

Tenho consciência e informação das dificuldades humanas e materiais por que passam todos os setores do nosso sistema de justiça. O Superior Tribunal de Justiça recebe a cada ano cerca de cento e trinta mil novos processos. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região que julga litígios do Rio de Janeiro e do Espírito Santo tem cinco mil processos para cada juiz relator.

Cada vez mais a democracia amplia o acesso à Justiça, como os juizados de pequenas causas, mas não se criam condições materiais para o seu exercício. Os ministros Márcio Thomaz Bastos no comando da Polícia Federal vem realizando um trabalho revolucionário de combate ao narcotráfico, ao crime organizado e à corrupção. A questão não é institucional, mas sociológica e não podemos (*)sem buscar soluções.

É importante frisar que o direito é uma invenção do mais fraco, como intuiu Nietzsche. O mais forte não precisa dele. Cria suas próprias regras que consolidam seu poder econômico. Da forma como nosso aparato judicial vem funcionando, ele vem servindo mais para a manutenção dos privilégios do que a um avanço das forças históricas da sociedade. Ele vem permitindo que o Estado aqui entendido em sua tríplice dimensão ¿ União, estados e municípios ¿ possam postergar direitos, agir com prepotência e impunidade contra os cidadãos. O maior número de ações judiciais em curso na Justiça tem origem em demandas estatais. O maior número de processos contínuos tem como agente o governo. Cerca de 85% dos recursos que chegam aos Tribunais Superiores têm como força propulsora o Estado.

Nós, advogados, cuidamos da doença da sociedade. O grande Miguel Reale já nos ensinou que ¿o fórum é um imenso hospital¿. Com razão só irá para a Justiça tudo aquilo que as pessoas não puderem resolver privadamente.

A situação é grave. Os cidadãos comuns sabem que não podem contar com o Poder Judiciário. ¿Um mau acordo é melhor do que uma boa demanda¿ passou a ser um ditado percebido como verdade absoluta. A crença nele representa a própria negação da Justiça. Todos abrem mão de suas convicções, de seus direitos legítimos por uma solução que exclua o Judiciário.

Uma justiça tão lenta é sempre injusta. Ela vira o paraíso do devedor. Decisões prolatadas com prazos entre 10 e 20 anos não conseguem mais refazer as situações humanas que motivaram as demandas. O remédio quando chega, o doente já está morto. O advogado é sentido pelo juiz como um inimigo a ser eliminado. O juiz é visto pelo advogado como um obstáculo e não como uma solução.

Breve, os advogados deixarão de aceitar as questões que lhes são propostas por seus clientes, não pela ausência de regra jurídica aplicável ao caso, mas pela falta de confiança em uma solução judicial num prazo humanamente razoável. Imaginemos a mesma situação no mundo da saúde. Médicos não aceitando pacientes na porta dos hospitais...

Os impactos econômicos são evidentes. Parte do custo elevado dos empréstimos embute uma descrença na recuperação dos créditos. Analisemos o setor imobiliário, tão importante para a economia. Uma simples ação de despejo pode durar dez anos. A retomada de um imóvel não pago dura uma eternidade. Em todo o mundo, o déficit habitacional é resolvido por um sistema que integra bancos que financiam a construção de moradias a juros baixos, construtoras que suprem essa demanda e pessoas que compram imóveis pagando o preço de uma locação. Existem regras claras e simples que dão seriedade e liquidez ao sistema. Aqui não conseguimos implantar isso. Esse é apenas um exemplo de segmentos econômicos que não encontram maior desenvolvimento pelo estrangulamento de nossa Justiça.

Fiel a nossa tradição de não apenas detectar problemas, mas também de indicar caminhos, sugeriríamos: 1) modernização da nossa legislação processual para redução de prazos e número de recursos; 2) ênfase na velocidade processual em substituição aos formalismos; 3) redução dos privilégios processuais do Estado que litigam em situação desigual com o setor privado; 4) estabelecimento de poder liberatório para os precatórios judiciais para que eles não sejam como hoje ficção e moeda virtual; 5) transformação do Supremo Tribunal em corte exclusivamente constitucional; 6) concentrar esforços no Congresso Nacional no momento da criação das leis para que sejam mais bem elaboradas, evitando-se depois o custo de ter de corrigi-las, que tem sido pago pelo Judiciário e pela população. LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA é advogado. N. da R.: Luiz Garcia volta a escrever neste espaço na segunda quinzena de julho.