Título: Inquérito investiga `fazendas de papel¿ de Valério
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Fonte: O Globo, 01/07/2005, O País, p. 12

Publicitário responde na polícia por crime de falsificação ideológica e uso de documentos falsos para registrar terras

SÃO DESIDÉRIO (BA). A descoberta de mais uma investigação aberta contra o publicitário Marcos Valério reforça as suspeitas de que as fazendas registradas na Bahia em nome de duas de suas empresas (a DNA e a SMP&B) só existem no papel. Um inquérito policial instaurado no ano passado na delegacia de Polícia Civil do município de São Desidério, oeste da Bahia, investiga se Valério cometeu os crimes de falsificação ideológica e uso de documentos falsos ao registrar pelo menos três propriedades localizadas no município: as fazendas Barra I, Barra II e Barra III.

Os supostos crimes foram descobertos quase por acaso. Ao cumprir a determinação judicial de entregar uma carta precatória a Valério para que prestasse depoimento num processo movido contra a DNA em Brasília, investigadores localizaram a Fazenda Barra, mas acabaram descobrindo que ela tem outro dono: a empresa Carvic, com sede em São Paulo.

Dívida de R$2 milhões da DNA com Scam Propaganda

Segundo o inquérito, Valério deu a fazenda como garantia de uma dívida para evitar possível execução judicial na ação proposta pela Scam Propaganda contra a DNA.

¿ Quando recebemos a determinação de Brasília fomos lá e constatamos a existência das terras, mas não são nem dele (Valério) nem da DNA ¿ contou o escrivão da delegacia, William Louzada.

Em Brasília, a ação de execução tramita na 6ª Vara Cível do Distrito Federal. A dívida da DNA Propaganda com a Scam é de R$2 milhões. Um laudo da Planer Engenharia, concluído em julho de 2003, informa que as três fazendas pertencem à Carvic Empreendimentos Comerciais. Para Erik Franklin Bezerra, advogado da Scam, que encomendou o laudo, tudo indica que Valério apresentou documentos falsos para induzir a Justiça a erro e empurrar para o futuro o pagamento da dívida.

¿ Pelo laudo da Planer, os imóveis nomeados na penhora para o pagamento da dívida não pertencem à DNA. São da Carvic ¿ sustenta Bezerra.

O advogado apresentou o laudo apontando a suposta fraude em 2003 e pediu que as fazendas fossem excluídas das garantias oferecidas por Valério. O pedido foi rejeitado pelo desembargador Sérgio Rocha, do Tribunal de Justiça do DF.

Ontem, trabalhadores da Fazenda Barra confirmaram que a propriedade não pertence à DNA. Também estão registradas no cartório de imóveis de São Desidério outras quatro fazendas em nome da DNA: Cristal I, Cristal V, Bom Jesus I e Bom Jesus II. Ao menos no papel, as terras somam mais de 32 mil hectares. Moradores e fazendeiros da região disseram não conhecer as propriedades, mas ressaltam que a área rural do município é muito grande. As terras estão registradas no Incra.

¿Aqui são comuns as terras de segundo andar e grilagem¿

Ao justificar saques de mais de R$20 milhões de suas empresas, Valério disse semana passada que tinha fazendas e investia na compra de gado. Anteontem, em depoimento à Polícia Federal, deu outra versão. O inquérito em São Desidério foi aberto em meados do ano passado e, além de Valério, investiga Francisco Marcos Castilho, também apontado como representante da DNA.

As denúncias mexeram com São Desidério e com a vizinha Barreiras. Mas os moradores estão familiarizados com os chamados ¿negócios de segundo andar¿, registros de propriedades diferentes num mesmo endereço rural.

¿ Aqui são muito comuns as terras de segundo andar e grilagem ¿ disse o prefeito de Barreiras, o tucano Saulo Pedrosa.

As suspeitas sobre as fazendas das DNA foram levantadas pelo empresário Victor Abou, dono da Carvic. Ele contou que, em São Desidério, é possível comprar uma fazenda fictícia por cerca de R$5 mil. O advogado da Scam voltou a pedir a exclusão das fazendas da lista de bens apresentada por Valério para quitar a dívida da DNA.

COLABOROU: Jailton de Carvalho