Título: A noite do Haiti e outros presságios
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 01/07/2005, O Globo, p. 2

Um esforço aqui, outro ali, mas o governo continua sendo comandado pela crise e esta por Roberto Jefferson. Três diretores de Furnas foram afastados ontem pelo presidente Lula e outro inquérito policial foi aberto mas novamente depois de denúncias do acusador geral. A deterioração do ambiente político no Congresso chegou ao limite na noite de anteontem: lá dentro, a Câmara realizava uma sessão marcada pela troca de agressões. Lá fora, os ruralistas ameaçavam invadir o prédio com seus tratores.

O deputado José Thomás Nonô, vice-presidente da Câmara, confirma ter saído com alguns seguranças em busca do comandante da operação da PM para que reforçasse a segurança da sede do Congresso. Os tratores já estavam encostando no espelho d'água. Os carros da PM estavam concentrados no alto da Esplanada, onde o álcool correra solto e esquentara os ânimos dos acampados. Na maioria, empregados de fazendeiros hospedados em bons hotéis. Os carros desceram e se postaram na entrada do Congresso. Ontem corria o rumor de que o Exército também estivera de prontidão mas isso foi desmentido.

A sessão que terminou às 3h tinha uma só matéria em pauta: a medida provisória que libera recursos para a missão brasileira no Haiti. Mas o Haiti estava ali mesmo, no plenário da Câmara. A certa altura, o deputado Miro Teixeira perguntou a um colega petista mais exaltado durante o embate com tucanos e pefelistas.

- Veja aquilo lá fora e lembre-se dos caminhoneiros de Allende...

Uma greve de caminhoneiros, em setembro de 1973, ajudou a criar o clima que precipitou o golpe contra o presidente socialista do Chile, Salvador Allende.

Não era a ajuda ao Haiti que estava em pauta, e sim o fato de que, votada a MP, entraria em pauta o requerimento do PT e dos aliados pela instalação de uma CPI da Câmara, destinada a investigar a existência de mensalão para os deputados atuais e a compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição no governo FH. Tucanos e pefelistas entraram em obstrução. Querem uma CPI só para o mensalão, ou seja, CPI mista, com deputados e senadores. A temperatura subira à tarde quando o governo revogou uma MP e alguns pedidos de urgência, favorecendo a estratégia de seus aliados, estragada pela volta da MP do Haiti que o Senado modificara.

A estratégia, por sinal, era duplamente equivocada. Da parte do PT, porque não está em condições de abrir fogo contra ninguém, muito menos contra o passado tucano. Isso não resolverá os problemas de hoje. Precisa de humildade para reconhecer que algo de podre existe e terá que ser esclarecido. Da parte da oposição, porque nem haverá senadores para uma terceira CPI, já que duas já estão instaladas, a dos Correios e a dos Bingos. Uma terceira pode acabar sendo fraca.

Mas não, os petistas acham que intimidam a oposição brandindo manchas do passado, detonando as poucas pontes de boa vontade que encontram na área tucana. E a oposição ofende o conjunto de deputados, como se todos estivessem no mensalão e fossem suspeitos para integrar uma CPI só da Câmara.

Nessa sessão houve todo tipo de ofensas recíprocas, inclusive ao presidente da Mesa Severino Cavalcanti. Votou-se a MP mas o impasse em torno da CPI persistiu ontem.

O dia começou sob o impacto da nova denúncia de Roberto Jefferson e foi dominado por seu depoimento à CPI dos Correios. Chegou ele a intimidar os membros da CPI dizendo que tinha numa pasta a prestação de contas eleitorais de cada um. Tudo isso num ambiente de "à espera dos bárbaros", como parece sentir o líder do PTB, José Múcio.

- Estamos aqui parados, esperando que alguma coisa aconteça, sem saber o que mais falta acontecer...

Este ambiente só pode ser superado se o presidente Lula agir com mais rapidez, sem esperar por novas denúncias. Esta é a receita do senador tucano Tasso Jereissati:

- Ele tem autoridade para fazer logo uma grande faxina em seu governo. Mudando não apenas os ministros mas todos os dirigentes de estatais nomeados por critérios políticos. Se fizer isso, poderá dizer ao país que passou o governo a limpo e exigir do Congresso que trate também da agenda do país, além das investigações.

Mas a reforma ministerial ontem não estava pronta para ser anunciada em poucas horas.