Título: ENFIM JUNTOS E IGUAIS
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Fonte: O Globo, 01/07/2005, O Mundo, p. 28
Parlamento da Espanha aprova legalização de casamento gay e divide o país
Grupos homossexuais comemoraram ontem, na Espanha, a aprovação no Parlamento da lei que legaliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A medida, que torna a Espanha o quarto país no mundo a adotar o casamento gay, foi considerada histórica por associações que defendem os direitos dos homossexuais. Mas também foi duramente criticada pela Igreja Católica, que pediu a fiéis que se oponham a ela com todos os meios legítimos.
- Hoje a sociedade espanhola está respondendo a um grupo de pessoas que tem sido humilhada, cujos direitos têm sido ignorados, sua dignidade ofendida, sua identidade negada e sua liberdade restringida - disse o presidente do governo, José Luis Rodríguez Zapatero. - Não estamos legislando, senhoras e senhores, para pessoas desconhecidas e distantes. Estamos expandindo as oportunidades para a felicidade de nossos vizinhos, nossos colegas de trabalho, nossos amigos, nossos familiares.
Na galeria, defensores da medida comemoraram intensamente quando a lei foi aprovada pela Câmara baixa, derrubando o veto do Senado. Do lado de fora, dezenas de casais homossexuais se abraçavam e beijavam. Alguns choravam.
Homossexualismo já foi proibido no país
A lei foi aprovada por 187 votos a 147 e estabelece que casais homossexuais terão os mesmos direitos dos heterossexuais, inclusive em questões como adoção, benefícios trabalhistas e fiscais, tornando-a mais avançada, por exemplo, do que as aprovadas em Holanda e Bélgica.
A lei representa um duro golpe para a Igreja num país tradicionalmente católico. A Conferência dos Bispos criticou medida e a reforma da lei facilitando o divórcio, aprovada esta semana: "Devemos nos opor a estas leis injustas por todos os meios legítimos", disse num comunicado.
A medida proposta pelo governo do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) representa uma grande ruptura com o passado: na Espanha do general Francisco Franco (1939-1975), o homossexualismo era proibido, assim como o divórcio.
- Estou me lembrando de todos aqueles anos, todas as pessoas que não puderam ver isto... e de todos os jovens que vão ter uma vida diferente - contou emocionado Pepe Paz, diante do Parlamento.
Embora a lei torne a Espanha a quarta nação a aprovar o casamento entre homossexuais - depois de Holanda, Bélgica e Canadá - na verdade faz do país o segundo a eliminar todas as distinções entre uniões homossexuais e heterossexuais. Antes, apenas a lei canadense era tão liberal.
A medida espanhola adiciona à legislação atual a frase: "O casamento terá mesmas condições e resultados, sejam as pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes." Já Holanda e Bélgica criaram uma categoria de direitos separada para casais homossexuais, mas que chega perto da igualdade em assuntos como adoção.
Mariano Rajoy, líder do Partido Popular (PP), de oposição, acusou o governo Zapatero de irresponsabilidade ao pressionar para que o casamento homossexual passasse, em vez de buscar o consenso para uniões civis, como outros países adotaram, em que os direitos são mais restritos:
- Ele causou uma enorme divisão na Espanha - disse, acrescentando que o PP estuda entrar com um recurso na Corte Constitucional.
Cerca de mil pessoas foram ontem às ruas de Madri se manifestar contra a medida e pedir a renúncia de Zapatero. Mas apesar da resistência de conservadores, pesquisas mostram que 70% dos espanhóis apóiam a lei.
Na terça-feira o Canadá se tornou o terceiro país a legalizar o casamento entre homossexuais. Na Bélgica, a legalização veio em junho de 2003, e na Holanda, em dezembro de 2000.
- Não somos os primeiros, mas estou certo que não seremos os últimos - discursou Zapatero no Parlamento antes da votação.
Uma agenda ousada
A lei permitindo o casamento gay foi a iniciativa mais ousada e mais controvertida na agenda do governo socialista desde que José Luis Zapatero assumiu o governo em abril de 2004. Mas não foi a primeira a despertar polêmica.
Na quarta-feira, o Parlamento derrubou a antiga lei sobre divórcio, permitindo o fim do casamento sem que fosse necessária a separação legal prévia ou apresentar uma razão, como era obrigatório. O governo também apóia pesquisas com células-tronco e deseja flexibilizar a rigorosa lei sobre aborto.
Essas posições têm levado a choques com a Igreja Católica, que teve muita influência no governo durante a ditadura do general Francisco Franco. Em sua primeira manifestação declarada contra o governo em 20 anos, ela endossou uma passeata em 18 de junho que reuniu 600 mil pessoas em Madri contra o casamento entre homossexuais.
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