Título: LULA DEVE DESCULPAS
Autor: PAULO MOREIRA LEITE
Fonte: O Globo, 03/07/2005, Opinião, p. 7

Considerando que Roberto Jefferson não tem mandato para demitir ministros nem diretores de estatais, cabe ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva reassumir a plenitude dos poderes e das atribuições do cargo para o qual foi eleito em 2002. As denúncias de corrupção ainda não foram avaliadas nem investigadas a fundo mas corroem a credibilidade do governo e ameaçam esterilizar qualquer iniciativa do Planalto daqui por diante. Mas há uma saída para a crise e ela depende do presidente Lula.

Lula deveria apresentar um pedido de desculpas ao Brasil e aos brasileiros. Retirante nordestino, operário metalúrgico, o presidente chegou a Brasília como símbolo de uma esperança única na história de nossa democracia frágil e excludente. O PT não apenas fez uma campanha apresentando-se como um partido da ética, da honestidade e dos bons costumes. Numa proeza eleitoral raríssima, conseguiu mais: convenceu 70 milhões de eleitores que isso era verdade. Trinta meses depois da posse, o governo Lula não consegue explicar denúncias graves e pesadas, que lembram o lixo dos piores momentos da República. Numa postura que repete os dias mais vergonhosos da tropa de choque de Fernando Collor, a bancada governista, no Congresso, trabalha noite e dia na ilusão imoral de que será capaz de impedir uma investigação séria e isenta. As histórias são diversas mas na hora do perigo até os espantalhos se tornaram próximos. Se Collor falava no Sindicato do Golpe, os petistas falam no Golpe da Elite.

Não é o caso de se divertir com aquela charada óbvia das crises políticas, em que se diz que ou o presidente sabia de tudo (e então é cúmplice) ou então não sabia de nada (e então é inepto). O presidente Lula é politicamente responsável pelos atos de seu governo, ainda que não exista o mais leve sinal de que tenha se envolvido em qualquer irregularidade. Ele é um homem inocente, assegura e repete o próprio Jefferson.

Mas Lula erra e errará sempre enquanto fingir que não tem nada a ver com atos e decisões de auxiliares de sua confiança. Essa postura só contribui para engordar o balão da crise. É preciso furá-lo. Em sua postura atual, Lula se tornou um presidente irreconhecível.

Com a humildade de quem sabe que o país é maior do que seu governo, o presidente deve assumir sua parte nos erros de uma administração da qual é a principal autoridade. Em vez de lembrar as passagens gloriosas da biografia, como todo mundo gosta de fazer nas horas difíceis, o presidente precisa recordar o que fez de ruim desde que chegou a Brasília. É necessário admitir, em primeiro lugar, que escolheu auxiliares que não se mostraram à altura das responsabilidades recebidas. Lula poderia também dizer que, apoiado numa visão errada das artes e das ciências da chamada governabilidade, permitiu que o Planalto se envolvesse em negociações condenáveis para conquistar aliados. Também poderia explicar que, às voltas com tantas tarefas de governo, nem sempre deu a devida atenção a episódios estranhos que, viu-se depois, escondiam denúncias gravíssimas.

Chefes de Estado não gostam de assumir posturas de modéstia mas em algumas circunstâncias não há alternativa. Um dos maiores presidentes americanos do século XX, Bill Clinton foi apanhado num momento de fraqueza de caráter quando mentiu a respeito de seu romance clandestino com a estagiária Monica Lewinsky. Para evitar o apocalipse, Clinton foi à TV para pedir desculpas à mulher, à filha e ao povo americano. É claro que ele nunca mais voltou a ser aquele personagem de ficção, tão querido e perfeito, que parecia flutuar no comando do império dos anos pré-crise. Tornou-se um presidente menor mas conquistou o direito de ser julgado pela História.

A idéia que se defende aqui é que, se agir dessa forma, Lula pode recuperar um direito que seu governo está perdendo ¿ o de olhar o país pela frente. Seria um ato de respeito ¿ com o cidadão brasileiro e com sua própria história.

PAULO MOREIRA LEITE é jornalista.