Título: PROJETO EM XEQUE
Autor:
Fonte: O Globo, 03/07/2005, Opinião, p. 6

Pelo menos em tese fez todo sentido aproveitar a inesperada projeção internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para lapidar sua imagem de líder regional e consolidar a posição do Brasil como potência latino-americana. Melhor ainda se esse processo de capitalização diplomática do fenômeno Lula for coroado pela conquista de uma cadeira cativa para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, ao lado dos cinco grandes tradicionais e de outros poderes que emergiram nos últimos anos.

Se esse foi o raciocínio dos formuladores da política externa do governo Lula, como parece ter sido, está correto. Mas há dúvidas sobre a estratégia adotada, pois os esforços de reconhecimento diplomático do país como protagonista de peso entraram numa fase de dificuldades e incertezas.

Em retrospecto, a participação brasileira na missão diplomática da ONU para conter a violência no Haiti parece ter sido uma iniciativa açodada, de alto risco e baixo retorno. O país caribenho continua acuado pela sanha dos bandos rebeldes que espalham o terror e a morte; e o fiasco será inevitavelmente debitado na conta do Brasil, que assumiu o comando da operação.

Outra ponta-de-lança, a campanha para ganhar relevância na ONU, ameaça alienar vizinhos como a Argentina, prejudicando alianças regionais. E declarações recentes do governo americano fazem supor que a reforma do Conselho de Segurança ¿ e com ela a inclusão do Brasil entre os membros permanentes ¿ é causa perdida, ou pelo menos adiada sine die. O único pretendente a obter apoio explícito da Casa Branca foi o Japão, que a China rejeita.

É arriscada também a noção de que um expediente válido para enfrentar a hegemonia americana seria aproximar-se a qualquer custo da China e da Índia. Ela trai a persistência de um ranço terceiro-mundista, que leva o país a inclinar-se para figuras suspeitas como Hugo Chávez. E escamoteia o fato de que China e Índia, apesar de parceiros comerciais desejáveis e aliados em foros multilaterais, são nossos competidores ¿ por sinal cada vez mais próximos dos EUA.

Quando os custos ameaçam superar a expectativa de benefícios, é hora de parar para pensar.