Título: Crise pode impedir corte de gastos do governo
Autor: Valderez Caetano
Fonte: O Globo, 03/07/2005, O País, p. 17

Lula prepara medidas para enxugar máquina, como redução do número de ministérios, mas terá de enfrentar pressões

BRASÍLIA. Por força da crise política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara medidas para enxugar a máquina e reduzir os gastos, na contramão do que seu governo fez até hoje. Apenas com o aumento do número de ministérios, de 26 em 2002 para 33 em 2003, o governo criou quase mil cargos de confiança e expandiu em 52% os gastos com pessoal terceirizado. Já na reforma ministerial que será anunciada esta semana, Lula poderá reduzir parte destas despesas, mas, na avaliação de especialistas, o empenho terá de ser muito maior para enfrentar as pressões naturais que atingem governos enfraquecidos e promover uma verdadeira redução de gastos públicos.

No geral, os gastos do governo cresceram R$59,3 bilhões nos últimos dois anos. A culpa é atribuída, por assessores do Congresso, ao aumento dos gastos da Previdência, a programas assistenciais como Bolsa Família e à contratação de pessoal, seja por terceirização ou em concursos públicos. A despesa com gastos com pessoal cresceu nos últimos dois anos quase R$7 bilhões.

Especialistas em contas públicas, como o economista Raul Veloso, dizem que há o risco de a crise pressionar ainda mais o governo a aumentar os gastos.

¿ Imagino que em breve o governo terá que ceder para dar aumento aos militares. As pressões serão cada vez mais fortes ¿ observa Veloso.

Segundo o economista, Lula deveria tomar iniciativas para estancar o movimento crescente dos gastos. Mas ele considera que o fato de o governo já estar se movimentando para reduzir o número de ministérios e de cargos de confiança é um indicador positivo para a sociedade.

O cientista político Walder de Góis, da Universidade de Brasília, diz que a crise política afeta a economia e a capacidade de adoção de medidas mais efetivas para mudança de rumo, já que, segundo ele, é difícil separar o presidente das denúncias:

¿ A crise ganhou dinâmica própria e pode atingir a própria governabilidade.

Já o economista Luiz Gonzaga Beluzzo afirma que a questão do aumento dos gastos públicos não tem relação com a crise política ou com o que provocou a crise, a má distribuição dos cargos públicos. Para ele, a culpa pelos aumentos de gastos do governo é a taxa de juros.

¿ A discussão está errada. O país está de ponta-cabeça. Num momento em que o mundo ameaça ter deflação e que sobra dinheiro, não há razão para se manter o juro alto ¿ diz ele, sem entrar no mérito do aumento de cargos de confiança.

Algumas distorções aconteceram quando Lula decidiu dar status de ministério a diversas secretarias. Os gastos crescem porque os ministros têm direito a carro oficial, a viajar em primeira classe, a moradia paga pelo Tesouro e a outras facilidades. Segundo números do próprio governo, a Secretaria da Pesca, por exemplo, que tem status de ministério, abriga 241 pessoas em cargo de confiança. A Secretaria de Igualdade Racial tem 41 cargos de DAS, a Secretaria da Mulher outros 40 e o Ministério das Cidades, 204.

No total, quase 20 mil cargos de confiança

O ministério mais beneficiado com os chamados cargos de DAS é o da Fazenda, que tem 1.109. Ao todo eles somam quase 20 mil em toda a administração federal.

Pelos números da Consultoria de Orçamento da Câmara e do próprio Tesouro Nacional, os gastos com pessoal da administração direta já corrigidos passaram de R$91,6 bilhões em 2002 para R$98,4 bilhões em 2004, impulsionados principalmente pela contratação de concursados e pelo realinhamento de salário de algumas carreiras. Mas o que assusta mesmo os especialistas é o aumento do gasto da Previdência, que cresceu em mais de R$33 bilhões nos últimos dois anos.

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