Título: `Lula precisa dizer que não disputará reeleição¿
Autor: Diana Fernandes e Lydia Medeiros
Fonte: O Globo, 03/07/2005, O País, p. 8

Para o líder do PSDB no Senado, única `saída honrosa¿ para o presidente é abrir mão de um novo mandato BRASÍLIA. Desde o começo da crise política, o aguerrido e às vezes exaltado senador Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB, surpreende adversários com uma sobriedade não vista nesses dois anos e meio. Ele explica: a crise é do Executivo, sim, mas o Congresso não sairá ileso. Tampouco acredita que a população cairá nos braços do PSDB, partido que, diz ele, nem tem líderes carismáticos para encarnar o papel de salvadores da pátria. O tucano sugere ao presidente Lula uma saída ousada para preservar sua imagem: a renúncia à reeleição. Virgílio está acabando de ler a biografia de Joseph Stalin, o líder que imprimiu a linha autoritária ao regime soviético: "Ajuda a entender os remanescentes stalinistas do PT", brinca. Onde vão levar as múltiplas investigações sobre a corrupção no governo Lula? ARTHUR VIRGÍLIO: Não tenho nenhuma dúvida da existência do mensalão. Não vejo ainda contornos delineados para mensurar a crise, mas pode se tornar incontrolável. Poderá até dar no pior, e não é no que aposta o PSDB. O pior seria atingir o presidente? VIRGÍLIO: O presidente está atingido. Estamos todos torcendo para o presidente ser um tolo. Estou dizendo enfaticamente, generosamente, apaixonadamente que o presidente é um tolo, porque a outra hipótese seria pior. O governo Lula acabou? VIRGÍLIO: Acabou sociologicamente. Não pode mais imprimir projeto de mudança, tocar uma agenda legislativa ambiciosa. Temos um meio presidente da República, que é o Roberto Jefferson, que pelo menos demite. Só não nomeia. Qual a saída? VIRGÍLIO: Lula precisa chegar ao último dia de seu governo, se Deus quiser será assim, tendo uma saída honrosa. Isso não é pensamento do meu partido, é meu. O presidente Lula precisaria dizer claramente que não é candidato à reeleição. Assim como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também. Fernando Henrique então é candidato? VIRGÍLIO: Acho que não. Mas vou dar essa opinião a ele. Por sinal, seria bom falar com o ex-presidente antes dessa publicação. Entrará em lua-de-mel com a opinião pública quando disser claramente que não é candidato. Por que Lula deve fazer o mesmo? VIRGÍLIO: A agenda do Lula agora é sobreviver bem. Mediocremente como uma rainha da Inglaterra ou até muito forte, se disser que acaba com a reeleição, se mandar o projeto do fim da reeleição e do mandato de seis anos para presidente. Se mandar investigar tudo, se deixar sangrar. Se reduzir o ministério e cortar pela metade os cargos de confiança. E se apresentar um projeto de nação. Há poucos dias, falava-se em mãos estendidas. É possível o diálogo entre governo e oposição? VIRGÍLIO: Essa mão estendida veio acompanhada de uma mentira, a de que Lula inventou a Controladoria Geral da União. A Procuradoria Geral da União foi criada pelo governo passado. É uma inverdade que dava a entender que ninguém se preocupava com a corrupção antes. Por que batem tanto na gente? Não é natural? VIRGÍLIO: É porque não estão atentos para o tamanho da crise, para o fato administrativo. Não estão preocupados com a necessidade de terminar esse governo, mas só com o fato eleitoral. Lula está desmoralizado? VIRGÍLIO: Está bastante atingido. Não atingido na sua moral. Mantenho a impressão de que ele é uma pessoa que jamais teria se locupletado de dinheiro público. Está atingido é o governo, o presidente da mudança, que seria inflexível. Como avalia a participação de José Dirceu? VIRGÍLIO: Não tenho dúvida de que viu isso. Mas não acredito que tenha se locupletado. Acredito que entraram louca e desenfreadamente num projeto de poder que feriu os padrões até de uma certa ética duvidosa da política brasileira. Mas não em benefício próprio. Não consigo ver Lula rico. Nem José Dirceu. E José Genoino? VIRGÍLIO: Não consigo. Delúbio Soares? VIRGÍLIO: Não conheço. Sílvio Pereira? VIRGÍLIO: Não conheço. O senhor já havia ouvido falar do mensalão? VIRGÍLIO: Não. Ouvia falar que usavam métodos pouco ortodoxos nas nomeações. Políticos não nomeavam diretores no governo tucano? VIRGÍLIO: Quando era ministro, um dos meus trabalhos era defender o presidente. Outro, trabalhar nas Câmaras sociais. Outro, a conexão com o Congresso. E enrolar o pessoal. Essa gente eu me lembro de ter enrolado muito. E ainda assim o governo teve suas confusões. É favorável ao financiamento público de campanhas? VIRGÍLIO: Não. Não há nenhuma prova de que o caixa dois vá morrer só porque o financiamento público foi estabelecido. Não vejo nada mais antigo, socializante e pré-Muro de Berlim que o financiamento público. Tem de haver regras de transparência. ¿Está atingido o governo, o presidente da mudança, que seria inflexível¿ ¿Temos um meio presidente, que é o Roberto Jefferson, que pelo menos demite¿ `O mensalão está provado¿ O caixa dois é comum a todos os partidos? VIRGÍLIO: Desde 1994 o processo foi aperfeiçoado. Nem havia prestação de contas. Caixa dois, é preciso provar se houve ou não no governo de fulano ou beltrano. O que está provado é o mensalão neste governo, prática que não se pode dizer que foi dos anteriores. Há provas do mensalão? VIRGÍLIO: As palavras de Roberto Jefferson estão se materializando. Fala-se numa lista de 60 deputados que receberiam esse mensalão. Se a CPI chegar nesses nomes haverá uma devassa? VIRGÍLIO: Aí a gente vai ter de fazer o fato político se congraçar com o fato matemático. Não sei como 400 cassam cem, se cada um dos cem tem três ou quatro amigos do peito. Então não se fará nada? VIRGÍLIO: Não acredito em pizza. Então, a resposta não será matemática, terá de ser política. Como? VIRGÍLIO: É traumático, mas vai, porque a instituição vai sobreviver. Fácil, não é. Mas é menos difícil cassar dez ou 12 ou oito ou sete se esses se esgotarem neles mesmos. Se não, é acreditar que serão solidários a comparsas. A política vai subverter a matemática se for comprovada a participação de mais gente do que os que estão aí. A oposição não ganha com esse processo? VIRGÍLIO: É tolice nossa imaginar que porque a crise é do governo Lula o povo está idolatrando o Congresso e endeusando o PSDB. É ilusão achar que há heróis de um lado e vilões de outro. Há, sim, uma instituição que é base da democracia brasileira e está ameaçada pelo descrédito. Quais as razões dessa sobriedade? VIRGÍLIO: Não tenho dúvida de que o PSDB acha que a economia tem de ser poupada, que o caos, se vier, tem de ser resolvido com a ajuda da gente; mas o caos não deve ser antecipado por nós. O PSDB não é um partido de Torquemadas, de heróis de CPI. São pessoas moderadas, de reflexão, de racionalidade. Nem fica bem na gente esse papel. Ao PSDB não interessa um governo fraco? VIRGÍLIO: A desorganização desse quadro interessa ao PSDB ou a um aventureiro populista? A um novo Collor? A salvadores da pátria? Não. Não somos isso. Não adianta imaginarmos que vamos chegar na Praça da Sé, abrir os braços e a multidão vai chorar diante de algum líder carismático nosso, que nem temos. Se Lula ficar fraco, o PSDB vai forte para a eleição. Vai com que nome? VIRGÍLIO: O melhor candidato seria o governador Geraldo Alckmin (SP), mas num processo de discussão sobre o Brasil, porque entendemos que o governo do presidente Fernando Henrique foi paulista demais, assim como é o governo Lula. E com Lula fraco? VIRGÍLIO: Tem de ser o mesmo, senão a gente cai no oportunismo. E se for Palocci? VIRGÍLIO: Palocci não tem a cor popular de Lula. Ninguém tem. Nem lá e nem cá, vamos reconhecer. Mas Palocci representa o que o governo fez de mais equilibrado.