Título: INQUÉRITOS CONGELADOS
Autor: Carla Rocha
Fonte: O Globo, 03/07/2005, Rio, p. 19

Procuradora de Justiça manteve 389 investigações sobre policiais paradas de 95 a 99 Passados cinco anos, a maior investigação sobre desvio de conduta de policiais no estado põe em xeque a atuação do Ministério Público do Rio. Com base em indícios de omissão, descobertos em 2000 em investigações sobre servidores da Polícia Civil, a Corregedoria da Procuradoria Geral de Justiça fez uma auditoria em 475 inquéritos sobre policiais civis e descobriu que a maioria estava parada ¿ não na polícia, como se imaginava, mas no próprio Ministério Público. Do total de inquéritos analisados, 389 não tinham qualquer movimentação de 95 a 99. O caso foi investigado e, em abril deste ano, cinco promotores abriram ação de improbidade administrativa contra a então promotora suspeita das irregularidades, Maria Ignez Pimentel, hoje procuradora. A crise deflagrada pela ação fez o Órgão Especial do MP tomar uma decisão, no início de junho, que está sendo considerada um retrocesso na instituição: promotores do Rio estão proibidos de investigar promotores. Agora, cabe ao juiz Gabriel Zéfiro, da 2ª Vara de Fazenda Pública, decidir se arquiva ou acolhe a ação dos promotores da Tutela Coletiva, Adriana Coutinho, Gláucia Santana, Alexandra Melo, Cláudio Henrique Viana e Márcia Piatigorsky. Os promotores, que não quiseram falar com O GLOBO, alegam no processo que vários inquéritos, depois de anos nas mãos da colega, eram encaminhados à livre distribuição ou devolvidos sem pedido de diligência. Pelo Código do Processo Penal, o promotor tem 15 dias para oferecer a denúncia ou pedir diligências. Procurador-geral defende `blindagem¿ É a primeira vez que uma procuradora de Justiça é alvo de uma ação desse tipo no Rio. Embora promotores, juízes e deputados tenham foro especial, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) tem orientado os MPs estaduais a não considerar o privilégio para improbidade administrativa, que não tem natureza penal. A lei 8.429 de 1992 (sobre improbidade administrativa) é considerada um dos maiores avanços no combate à corrupção de servidores públicos. Mas o atual procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira, alega que a Lei Orgânica do órgão prevê, em seu artigo 134, que a demissão do cargo (uma das sanções previstas por improbidade) só pode ser pedida pelo procurador-geral. ¿ A questão é de uma clareza solar que ofusca. Além disso, o promotor de Justiça, que muitas vezes contraria interesses poderosos, precisa de uma ¿blindagem¿ que o preserve ¿ defende Vieira, negando que a medida sacramente o foro especial para promotores ou possa favorecer outras categorias, como deputados e juízes. Falando em nome de Maria Ignez, o advogado Jorge Vacite, que a representou no Órgão Especial, admite que a decisão é polêmica: ¿ A ¿blindagem¿, sem dúvida, soa como um privilégio, mas lei faculta este direito ao promotor. A questão é delicada, não é pacífica. Com relação à denúncia, devo dizer que a doutora Maria Ignez foi vítima da grande sobrecarga de inquéritos porque ela respondia por todos os procedimentos de delegacias especializadas. Ela, inclusive, pediu ajuda inúmeras vezes, o que está fartamente documentado, mas não obteve. Um dos inquéritos congelados é o da chacina de Favela Nova Brasília, em Ramos, ocorrida em 1995, em que 14 pessoas foram assassinadas. Apesar de os laudos cadavéricos apontarem sinais de execução, em 2000 ainda não havia denúncia contra os policiais acusados do crime. Por causa disso, o então procurador-geral de Justiça, José Muiños Piñeiro, teve que ir à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, defender o país das acusações de inércia. Ao voltar, ele presidiu a sessão no Conselho Superior do MP que afastou compulsoriamente Maria Ignez de sua função, o que só acontece em casos gravíssimos. Piñeiro disse ao GLOBO que pediu que Maria Ignez fosse investigada pelo conselho, mas alegou não poder revelar o conteúdo das denúncias: ¿ Só posso dizer que havia várias representações contra a atuação dela. Antes de decidir, o conselho investigou as denúncias por oito meses, dando a ela ampla possibilidade de defesa. Eu me lembro que a sessão, sigilosa e exaustiva, começou às 10h e só terminou depois de meia-noite. Foi uma decisão dura, mas necessária. As investigações sobre a atuação de Maria Ignez começaram quando o governador Anthony Garotinho criou, em 2000, uma comissão especial para apurar desvios de conduta de policiais. Presidida pela promotora Celma Alves, a comissão se debruçou sobre todos os inquéritos abertos contra servidores da Polícia Civil, concentrados na 17ª Promotoria de Investigação Penal (PIP), onde Maria Ignez esteve de 1995 a 2001. Celma diz que se assustou: ¿ Era um número considerável de feitos (inquéritos) paralisados há muitos anos, aguardando uma intervenção do Ministério Público, que não vinha. Quando eu fui investigar por que os policiais não eram denunciados, descobri que o problema estava dentro da minha própria casa. O congelamento dos inquéritos favoreceu os acusados com a prescrição de seus casos, facilitando também a concessão de benefícios legais, como hábeas-corpus.