Título: Frigoríficos, supermercados, calçados e telemarketing, os alvos dos fiscais
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 03/07/2005, Economia, p. 32

Na pecuária, há 77 benefícios por mil trabalhadores, 67% acima da média

Ao olhar os números da Previdência Social, o Ministério do Trabalho elegeu quatro setores críticos na ocorrência de doenças osteomusculares: frigoríficos, supermercados, indústria de calçados e telemarketing. A escolha desses alvos implica fiscalização sistemática e mudanças nas condições de trabalho, com edições de novas normas de segurança. No setor de agricultura, pecuária e serviços relacionados, de acordo com levantamento inédito feito pela professora da UnB Anadergh Barbosa nos dados da Previdência Social, a ocorrência dessas doenças é 67% acima da média dos trabalhadores.

¿ Enquanto na média houve 46,02 benefícios concedidos por mil trabalhadores, o número sobe para 77,22 no setor. Isso mostra claramente que determinadas atividades estão relacionadas à doença.

No estudo da pesquisadora aparecem ainda com destaque os setores de Correios e Telecomunicações (63,44 afastamentos por mil) e bancos (64,11 por mil).

Operadora de telemarketing há mais de 16 anos, Simone Bruce Leite, de 43 anos, está em casa se recuperando da lesão por esforço repetitivo (LER) desde abril. Os sintomas apareceram em 1999, quando se afastou do trabalho pela primeira vez. Atendendo aos chamados sobre conta telefônica no 102, reclama da pressão:

¿ Temos 15 minutos para lanche e mais cinco para ir ao banheiro. Uma supervisora quis que eu assinasse uma advertência por ter me atrasado 27 segundos. No computador, há um cronômetro que monitora os tempos de chamada.

No contracheque de Simone, os descontos pelos atrasos somam até R$8,22 no mês. Ultrapassagem no tempo de lanche e da pausa são debitados.

Ausência do trabalho atinge 30% em telemarketing

Ana Maria Moreira, vice-presidente da Associação Brasileira de Telemarketing ¿ setor que emprega 555 mil pessoas no país ¿ reconhece a pressão sobre os trabalhadores. A taxa de ausência chega a 30% do quadro por ano e a rotatividade atinge a mesma proporção. Ela diz que as mais de 300 empresas do setor estão dispostas a mudar a organização do trabalho.

¿ A queixa mais freqüente é de saúde corporal. Admitimos aumentar os intervalos, como quer o Ministério do Trabalho, mas a proposta de a cada 90 minutos dez de descanso é inviável ¿ diz Ana Maria.

Ela afirma que as empresas adotam cada vez mais programas de ginástica laboral e estão preocupadas com outros efeitos, na saúde mental, na voz e na visão.

Magnus Apostólico, superintendente de Relações do Trabalho da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), afirma que a ocorrência de LER tem se reduzido com a crescente automação do sistema bancário:

¿ Aumentou muito a incidência entre 1995 e 1997 com a instalação dos call-centers. Mas fazemos um trabalho preventivo e a doença agora atinge 1% do total de 400 mil do quadro.

Péricles Pessoa Salazar, vice-presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos, garante que muitas das mudanças sugeridas pelo governo já estão em prática. Como os intervalos para os funcionários que trabalham em temperaturas inferiores a 10 graus Celsius negativos:

¿ Ele fica uma hora e 40 minutos nessa temperatura e 20 minutos fora. O ministério quer impor que uma temperatura no descanso de 20 graus Celsius positivos. Não é possível.

Empregando 800 mil pessoas no país, os supermercados também terão que rever a forma de trabalhar dos seus caixas. Mas o diretor jurídico da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Nicolau Frederes, diz que a automação tem reduzido a incidência da doença.