Título: Decisão sobre aborto de fetos sem cérebro divide ministros do STF
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 22/10/2004, O país, p. 4

Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter derrubado anteontem a liminar que dava permissão para o aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro), acadêmicos e um advogado que defende o direito das gestantes ainda têm esperança que, no julgamento do mérito do processo, a corte autorize a interrupção da gravidez nessas condições.

O STF julgou anteontem apenas a liminar do ministro Marco Aurélio de Mello. Falta analisar o mérito da ação. A tese favorável à interrupção da gravidez já conta com os votos de pelo menos quatro dos 11 ministros do Supremo: o autor da liminar, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Celso de Mello.

¿Cada mulher tem que ir à Justiça para obter a liminar¿

Os três últimos ministros foram favoráveis, num julgamento em março passado, ao pedido de uma gestante do Rio de Janeiro para interromper a gravidez de um feto sem cérebro. Durante o julgamento, os ministros ficaram sabendo que a criança já havia nascido e morrido. Por isso, a discussão não pôde ser concluída.

Na sessão de anteontem os ministros Carlos Velloso, Eros Grau e Cezar Peluso pronunciaram-se contra a interrupção da gravidez. Ainda assim, o advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS), Luiz Roberto Barroso, acredita que o julgamento do Supremo não servirá de parâmetro para a decisão dos demais tribunais sobre eventuais pedidos de aborto para grávidas de fetos anencéfalos. A CNTS foi a autora da ação em discussão no STF.

¿ Voltamos ao sistema anterior, em que cada mulher tem que ir à Justiça para conseguir sua liminar individual. No mérito da ação discutida pelo Supremo, estamos muito confiantes. A decisão do ministro Marco Aurélio foi corajosa, ousada e muito importante para amenizar o sofrimento das mulheres, sobretudo as mais humildes ¿ disse Barroso.

Volnei Garrafa, professor de bioética da Universidade de Brasília (UnB), defendeu ontem o direito de as mulheres decidirem, em casos de má-formação do feto, se querem ou não interromper a gestação:

¿ O feto anencéfalo é um feto inviável. A discussão sobre o aborto, de um modo geral, está atrasada pelo menos 30 anos no Brasil, devido ao cristianismo arraigado na América Latina. Os votos dos ministros do Supremo foram religiosos. Duvido que se a igreja não tivesse pressionado os votos teriam sido assim.

Ontem, Marco Aurélio criticou o fato de pender em uma das paredes do plenário do STF um crucifixo, já que o estado é laico. O ministro voltou a defender a necessidade de que todos os interessados no debate, inclusive a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sejam ouvidos em uma audiência pública.

A CNBB divulgou nota em que afirma que a ¿decisão reafirma o princípio do pleno respeito à dignidade e à vida do ser humano, não importando o estágio de seu desenvolvimento, ou a condição em que se encontra¿.