Título: Abin e Nilmário dizem que fotos não são de Herzog
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 22/10/2004, O país, p. 5

O secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, informou ontem que as fotos de um homem nu divulgadas domingo pelo jornal ¿Correio Braziliense¿ não são do jornalista Vladimir Herzog na cela do DOI-Codi de São Paulo. Em nota oficial, o secretário sustenta, com base em informações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que o personagem da foto é um outro homem investigado ilegalmente em 1974 pelo extinto Serviço Nacional de Informações (SNI).

O secretário disse que elaborou a nota depois de fazer uma consulta sobre o assunto à Abin, o serviço de inteligência que substituiu o SNI. ¿A direção da Abin me comunicou hoje que as fotos publicadas pela imprensa durante esta semana não correspondem ao jornalista Vladimir Herzog, morto pela repressão em outubro de 1975¿, diz o texto.

Secretário não divulga nome do homem nas fotos

O secretário informa que na noite de quarta-feira pediu à Abin um levantamento sobre o caso. As fotos estavam sendo postas em xeque por parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Ontem, a Abin respondeu que o personagem da foto não é Herzog. ¿Elas (as fotos) são produtos de uma investigação ilegal conduzida no ano de 1974 pelo antigo SNI¿, informou Nilmário, na nota.

O secretário não divulgou, no entanto, quem é o homem fotografado nu e de cabeça baixa. Numa das fotos, ele aparece ao lado de uma mulher. Segundo o secretário, como se trata de uma violação da privacidade do homem e da mulher, ele está ¿impedido ¿ moral e legalmente ¿ de revelar os nomes¿.

Antes da divulgação da nota, Nilmário transmitiu a informação a Clarice Herzog, viúva do jornalista, ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e ao chefe da Casa Civil, José Dirceu. Em São Paulo, Clarice não quis comentar. Segundo o ¿Correio Braziliense¿, ela havia reconhecido o marido assassinado nas fotos. De acordo com sua secretária, talvez Clarice fale hoje.

As fotos seriam resultado de uma operação do extinto SNI para desmoralizar um padre que atuou numa paróquia em Brasília, no fim da década de 70. Na época, fotos do padre e de uma freira nus foram enviadas a moradores da Quadra 403 Norte.

O GLOBO entrevistou duas moradoras da quadra que tiveram contatos com o padre. Elas disseram que o homem da foto realmente parece com o padre que esteve no centro do escândalo há cerca de 30 anos. Mas nenhuma das duas garantiu que se tratava da mesma pessoa. O padre hoje estaria morando no Canadá . A ex- freira, que se indispôs com alguns fiéis, ainda vive em Brasília.

¿Correio Braziliense¿ não quis se manifestar

Procurada pelo GLOBO, a direção do jornal ¿Correio Braziliense¿ ¿ que identificou as fotos como sendo de Herzog ¿ não quis se manifestar. O Centro de Comunicação Social do Exército também não fez comentários sobre as informações divulgadas por Nilmário.

As fotos foram divulgadas pelo ¿Correio Braziliense¿ no domingo e depois reproduzidas por toda a imprensa, ajudando a reabrir as discussões sobre os arquivos da repressão. As imagens, consideradas inéditas e reveladoras do terror que imperava nos porões do regime militar, tiveram forte repercussão.

O Palácio do Planalto deu o aval para a nota divulgada por Nilmário Miranda sobre a conclusão da Abin. Depois de participar pela manhã de uma reunião do Alto Comando do Exército, José Dirceu se encontrou à tarde com Nilmário para tratar das fotos. O diretor-geral da Abin, Mauro Marcelo, também esteve no Planalto.

No encontro com o Alto Comando do Exército, Dirceu fez palestra de uma hora e depois almoçou com os militares. Segundo oficiais, a palestra já estava previamente marcada, sem qualquer relação com a crise dos últimos dias. O Alto Comando do Exército reúne-se periodicamente. Apesar de o Planalto considerar encerrado o caso, houve descontentamento em setores militares com a forma em que o Exército foi obrigado a se retratar. Por isso, o encontro acabou servindo para tentar desfazer qualquer mal-estar depois da crise dos últimos dias. O ministro foi recebido no QG do Exército pelo comandante do Força, Francisco Albuquerque.

Segundo assessores, a posição do governo é a manifestada pela nota de Nilmário Miranda. Antes da descoberta de que as fotos não seriam de Herzog, Lula estava aliviado com o encerramento da crise envolvendo o Exército, que por sua determinação divulgara nota se retratando pelos termos usados em nota anterior sobre o regime militar e lamentando a morte de Herzog.

Para assessores de Lula, a confusão das fotos não exime o Exército dos erros cometidos na nota do último domingo. Os termos usados foram considerados inaceitáveis pelo presidente Lula, que exigiu a retratação.