Título: RECEITA NOVA PARA UM MAL ANTIGO
Autor: Flávio Oliveira/Luciana R./Aguinaldo Novo/ Ronaldo
Fonte: O Globo, 05/07/2005, Economia, p. 19

Déficit fiscal zero proposto por Delfim resgata pressão para governo reduzir gastos e Martha Beck Odebate em torno da proposta do deputado Delfim Netto (PP-SP) de reduzir a zero o déficit nominal nos próximos quatro a seis anos é, para os economistas, um jeito novo de tratar um velho problema. Num ambiente político em que o aumento da arrecadação via elevação de impostos é inviável, o deputado ¿ que esta noite reúne empresários, parlamentares e dois ministros (Antonio Palocci, da Fazenda, e Paulo Bernardo, do Planejamento) num jantar para tratar do tema ¿ ressuscitou a necessidade de ajuste das contas públicas por meio do corte de despesas. A busca por maior austeridade fiscal foi bem recebida no meio acadêmico, embora alguns especialistas proponham estratégias diferentes da sugerida por Delfim ¿ e discretamente encampada pela equipe econômica. ¿ O encontro é para ouvir as primeiras impressões de parlamentares com diferentes visões de programas econômicos e empresários de vários setores de atividades ¿ disse Delfim Netto. O economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, professor da USP, é um defensor de políticas fiscais restritivas para o Brasil. Ele acredita que isso abriria espaço para reduzir os juros e, assim, criar condições para aumento dos investimentos. No entanto, afirma que trocar a meta de superávit primário (no qual as receitas superam as despesas correntes) por outra de déficit nominal zero (no qual a arrecadação comporta os desembolsos correntes e gastos com juros) não significa, necessariamente, maior rigor fiscal. É preciso, diz o economista, reduzir os gastos do governo: ¿ Não há nada de mágico no déficit nominal zero. É preciso olhar também os outros indicadores fiscais. Não é verdade que com déficit zero vamos chegar ao nirvana dos juros baixos. Críticos temem corte de gastos sociais

Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, Márcio Garcia é outro a argumentar que meta de déficit zero não é sinônimo de melhora no perfil dos gastos públicos. Numa conjuntura externa favorável, que permita queda expressiva da taxa real de juros, o déficit zero pode ser obtido com um superávit primário bastante inferior à meta atual, de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Em contrapartida, num cenário adverso, a busca pelo déficit zero obrigaria o governo a elevar demais seu superávit primário, o que poderia ser politicamente inviável. Margarida Gutierrez, do Grupo de Conjuntura da UFRJ, considera bem-vinda a proposta de déficit zero, bem como a desvinculação de parte dos recursos orçamentários, que imprimiria maior flexibilidade aos gastos públicos. Ela, contudo, diz que em vez de fixar uma data para a meta zero, o governo deveria se comprometer em produzir superávits primários próximos de 4,5% do PIB até que o déficit nominal zero seja alcançado: ¿ É um jeito de atingir o objetivo sem sacrifícios extremos no caminho. Se o BC precisar subir os juros para controlar a inflação, o governo teria de fazer um esforço primário muito maior para alcançar o déficit zero. Isso comprometeria investimentos públicos e gastos sociais que, às vezes, não têm como serem cortados. Crítico da política econômica do governo, o economista Ricardo Carneiro, da Unicamp, vê na proposta de Delfim a reedição de um ¿pacto conservador¿ no país. Para ele, não há garantia de que o aumento do superávit primário necessário ao déficit zero terá como efeito, no futuro, a redução das taxas de juros. Carneiro afirma que os juros no Brasil não são determinados apenas pela expansão da dívida pública. Entre outros fatores, estaria a necessidade contínua de atrair capital estrangeiro e a própria política de metas de inflação do BC, que ele considera muito rígida: ¿ Na prática, o que vai se colher é uma redução ainda maior dos gastos sociais para se pagar juros, a pretexto de redução dos juros no futuro. Mas essa garantia não existe. Carneiro estima que, para chegar ao déficit zero até 2008, o superávit primário teria de subir para 4,75% do PIB. Significa, diz ele, ¿chegar ao osso dos gastos sociais¿. Já José Roberto Afonso, consultor técnico da bancada do PSDB na Câmara, aprova a busca de maior austeridade fiscal. Mas acredita que o objetivo pode ser alcançado com medidas mais imediatas. A Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo ele, prevê que, anualmente, o governo fixe uma meta de déficit nominal na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): ¿ A LDO será votada nos próximos dias e o governo poderia aproveitar para cumprir a lei e adotar uma meta de déficit. Não precisa de emenda constitucional para isso. Autor de um estudo já encaminhado ao presidente Lula há dois anos, que incluía a busca do déficit nominal zero, o diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diz que uma proposta crível para a sociedade teria de incluir o compromisso transparente de queda nas taxas de juros: ¿ A solidez fiscal, assim como os juros, seria um instrumento a mais de controle da inflação. Mas um plano de transição para o déficit zero, que implica cortes em áreas como educação e saúde, tem que ser crível.

COLABOROU Eliane Oliveira