Título: SERVIÇOS PARA ESTRANGEIRO VER
Autor: Liane Thedim
Fonte: O Globo, 04/07/2005, Economia, p. 13

Atendimento à distância vai empregar 4,1 milhões em países emergentes até 2008 Seis dias por semana, Liliana Santos, de 25 anos, se transforma, das 9h às 15h, em ¿Lily¿. Sua missão: atender clientes estrangeiros de uma multinacional americana de equipamentos de diagnóstico por imagem que mantém um call center terceirizado em plena Zona Sul de São Paulo. A milhares de quilômetros, ela agenda visitas técnicas ou transmite a especialistas os exames dos clientes, para suporte remoto ¿ tudo em inglês ¿ por um salário mensal de R$800. Seu trabalho é chamado offshore, contratado geralmente por empresas de nações ricas para ser feito à distância pela mão-de-obra barata de países pobres ou emergentes, como Índia, China e Brasil. O segmento vem registrando forte expansão no mundo e tem perspectivas impressionantes. Pesquisa do Mckinsey Global Institute (MGI) projeta crescimento de 30% ao ano para o setor até 2008. E prevê que o número de empregos deve saltar do atual 1,6 milhão para 4,1 milhões. Segundo Diana Farrell, diretora do MGI, a expansão de serviços ¿ e não só de fábricas, como praticado a partir dos anos 80 ¿ para países de baixa renda foi estimulada pela evolução das telecomunicações; os incentivos oferecidos pelas nações em desenvolvimento; a redução na percepção de risco dos emergentes; e a saturação do mercado de trabalho nas nações ricas. O estudo, que abrange 28 países pobres ou em desenvolvimento e oito ricos, analisa oito setores que o instituto (ligado à consultoria McKinsey, uma das maiores do mundo) considera mais representativos na área de serviços: saúde, seguros, tecnologia de informação, varejo, bancos, softwares, automóveis e farmacêutico. Economista vê efeito negativo no setor Estes setores empregavam, em 2003, 565 mil pessoas em nações pobres, número que deve quase dobrar, para 1,2 milhão, até 2008 ¿ ainda assim, bem abaixo do potencial do mercado, de 18,3 milhões de vagas. Diana atribui o baixo aproveitamento às restrições internas das empresas, como processos não adaptáveis ao sistema offshore e, até mesmo, relutância por parte dos executivos. Além disso, há problemas com infra-estrutura, burocracia e qualificação profissional nos países mais pobres. ¿ Estimamos que apenas 1% do trabalho que poderia ser feito por pessoas de qualquer lugar do mundo será efetivamente contratado até 2008 ¿ afirmou Diana ao GLOBO, em entrevista por e-mail. O MGI não calculou o número de postos de trabalho que poderiam vir para o Brasil, mas o estudo aponta como principal problema do país a falta de profissionais que saibam inglês. No ranking de regiões mais atraentes para os ricos, o Brasil perde de longe, principalmente, da Índia, onde a língua é amplamente falada por causa da dominação britânica, encerrada em meados do século passado. Outro país onde a demanda por serviços offshore vem crescendo rapidamente são as Filipinas. ¿ Nas entrevistas com multinacionais, sem exceção, a deficiência da língua no Brasil foi citada. O país tem quase meio milhão de trabalhadores com nível superior, uma razoável oferta, mas a taxa de mão-de-obra adequada é baixa em comparação com outros países. Chega a, no máximo, 13% em ocupações como engenharia, finanças e contabilidade. Só Rússia e China têm taxas equivalentes ¿ disse Diana. A rápida expansão do offshore, porém, não é bem vista pelo economista Márcio Pochmann, da Unicamp. Para ele, este recente movimento de deslocamento de serviços para países pobres marca uma nova divisão internacional do trabalho, que exige maior escolaridade, mas oferece salários baixos. Segundo o professor, como o objetivo das empresas não é disputar o mercado local, mas continuar prestando serviços ao país de origem, elas não trazem modernidade às relações de trabalho: ¿ Nos anos 50, quando uma grande empresa estrangeira chegava a um país subdesenvolvido trazia grande evolução ao local. Segundo Pochmann, as companhias agora se deslocam para aproveitar as regras locais, o que o economista chama de ¿padrão asiático¿: salários baixos, longas jornadas e alta rotatividade. Ou seja, contribuem para perpetuar um ambiente de trabalho nada saudável, mas que, num contexto de desemprego elevado, acaba não gerando insatisfação entre os trabalhadores. ¿ ¿É melhor isso do que nada¿, pensam os trabalhadores. Temos agora um mercado de trabalho mundial, onde as empresas se deslocam, mas os trabalhadores, não ¿ completou. O economista José Marcio Camargo, professor da PUC-Rio, relaciona o movimento à atual conjuntura mundial, em que os mercados de bens foram abertos, mas não o de pessoas, com o controle da migração. Então, só o capital migra. Mas ele não acha que o trabalho offshore só tenha efeitos ruins. ¿ Emprego gera renda e movimenta a economia. À medida que a demanda por esses serviços aumentar, os salários vão subir. O mais importante é o Brasil resolver o problema da educação, porque estamos ficando para trás em relação aos outros emergentes ¿ disse. Alheia à discussão, ¿Lily¿ conta que gosta de seu trabalho porque ¿conhece gente nova todos os dias¿. Formada em Letras, ela trabalha na EDS, americana instalada no Brasil que presta serviços de call center e desenvolvimento de softwares. A empresa espera crescimento de 25% no número de clientes internacionais até 2006, o que vai significar mais de mil novos postos de trabalho. Hoje o segmento representa 10% da receita da companhia no Brasil. Já a brasileira ACS, também de call center, tem quatro clientes estrangeiros e espera expansão de 15% no serviço offshore nos próximos dois anos. No país, segundo a Associação Brasileira de Telemarketing (ABT), em 2004, 1.500 pessoas estavam trabalhando no atendimento a estrangeiros, volume ainda pequeno frente aos 580 mil que o setor emprega no país.