Título: EUA SOB UM MANTO DE SEGREDO
Autor: Scott Shane
Fonte: O Globo, 04/07/2005, O Mundo, p. 17

Dobra o número de documentos classificados como confidenciais pelo governo Bush

Em parte por preocupação com o terrorismo, o nível de segredos envolvendo o governo americano alcançou um patamar histórico com várias medidas sendo adotadas, incluindo a proibição de divulgação de documentos na média de 125 por minuto por departamentos federais e a criação de novas categorias de semiconfidenciais sob rótulos vagos como ¿informação sensível de segurança¿.

Um recorde de 15,6 milhões de documentos foram tornados confidenciais em 2004, praticamente o dobro em relação a 2001, de acordo com a Agência de Vigilância de Segurança da Informação. Enquanto isso, o processo de desclassificação, que tornou disponíveis milhões de documentos históricos anualmente na década de 90, praticamente se arrasta, caindo de 204 milhões de páginas em 1997 para apenas 28 milhões no ano passado.

O nível cada vez maior de segredo ¿ e seu custo para os contribuintes, estimado pela agência em US$7,2 bilhões em 2004 ¿ está despertando protestos de políticos e ativistas, incluindo membros do Partido Republicano no Congresso.

A aceleração desse processo veio após os atentados de 2001, quando o governo começou a cortar o acesso a informações que pudessem dar pistas à al-Qaeda de pontos vulneráveis dos EUA. Tais preocupações não desapareceram. Semana passada, o Departamento de Saúde tentou evitar a publicação de um relatório científico sobre a ameaça de envenenamento do suprimento de leite, alegando que seria ¿um guia para terroristas¿.

Censura a dados já conhecidos

Mas no campo político há temores de que o tiro saia pela culatra. Thomas H. Kean, presidente da comissão sobre o 11 de Setembro e ex-governador republicano de Nova Jersey, afirma que o fracasso em evitar os atentados de 2001 não veio do vazamento de informações, mas das dificuldades em compartilhar as informações entre as agências e com o público.

¿ As pessoas ficariam surpresas com o tipo de informações sigilosas: informações rotineiras, coisas que todos sabemos pelos jornais. O melhor aliado que podemos ter para nos proteger contra o terror é uma população bem-informada ¿ diz.

Kean não dá exemplos das informações censuradas desnecessariamente, mas outros citam casos bizarros: a batalha da CIA (Agência Central de Inteligência) este ano para não revelar seu orçamento nas décadas de 50 e 60; a proibição da Agência de Inteligência de Defesa da divulgação de que o ditador chileno Augusto Pinochet se interessava por ¿esgrima, boxe e equitação¿; e a insistência do Departamento de Justiça de censurar uma citação de quatro linhas num documento de uma decisão da Suprema Corte já publicada.

O assunto há muito é denunciado por grupos liberais, mas mais conservadores surgem entre os críticos, como o senador republicano John Cornyn, cuja lei reforçou o Ato de Liberdade de Informação. A lei prevê que qualquer legislação criando exceções para o ato as revele explicitamente.

¿ Já vi informações consideradas secretas e que haviam sido publicadas em livros didáticos ¿ conta J. William Leonard, que em três anos como diretor da Agência de Vigilância de Segurança da Informação travou uma batalha solitária contra o excesso de informações proibidas.

Essas confusões ocorrem em parte por inexperiência. Após 2001, o presidente George W. Bush estendeu o poder de proibir a divulgação de documentos à Agência de Proteção Ambiental, ao Departamento de Saúde e ao Departamento de Agricultura. Neste último, funcionários podem entrar no website da agência e imprimir ¿informação sensível de segurança¿.

Tais rótulos para informações não confidenciais consideradas sensíveis multiplicaram-se nos últimos anos, indo além do tradicional ¿somente para uso interno¿ a ¿segurança interna sensível¿ e outras expressões vagas.

¿ Há uma proliferação dessas categorias artificiais ¿ critica Lawrence J. Halloran, assessor do deputado republicano Christopher Shays.

O Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington, que recebe centenas de pedidos de acesso a documentos com base no Ato de Liberdade da Informação, de vez em quando se depara com arbitrariedades. Em 1999, a Agência de Inteligência de Defesa liberou integralmente uma biografia de duas páginas de Pinochet. Três anos mais tarde, liberou o mesmo texto, mas com metade dele censurado, incluindo comentários como ¿o general Pinochet é conservador em sua visão política¿.