Título: AO FIM DO PRAZO, MAIS TEMPO
Autor: Cristiane Jungblut/Martha Beck/Patrica Eloy
Fonte: O Globo, 02/07/2005, Economia, p. 27

Governo adia data-limite para escolha de IR sobre planos de previdência para dezembro

Depois de dois dias de disputa dos ministérios da Previdência e da Fazenda com a Casa Civil, foi ampliado para 30 de dezembro o prazo para os participantes de planos de previdência complementar escolherem por qual regime de tributação querem recolher Imposto de Renda (IR): o progressivo (atual) ou regressivo (novo). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi finalmente convencido da necessidade de editar uma nova medida provisória (MP) para dar mais tempo aos investidores. A MP foi assinada ontem e será publicada no Diário Oficial de segunda-feira. O prazo anterior terminava ontem - mesmo assim, o volume de adesão foi baixíssimo, segundo estimou o presidente da Associação Nacional de Previdência Privada (Anapp), Osvaldo do Nascimento. As instituições do setor não forneceram os dados de ontem, mas até a última quinta-feira apenas 10% dos participantes haviam feito sua escolha.

Cerca de 13 milhões de brasileiros têm planos de previdência privada, sendo 75% em fundos individuais e 25%, de empresas. De acordo com técnicos da Casa Civil, ao estender o prazo até 30 de dezembro o governo está apenas oferecendo mais tempo para aqueles que não fizeram a opção. Ou seja, não será facultado àqueles que já escolheram o regime de tributação a chance de mudar de idéia. Mas apenas quando o texto estiver disponível ficarão claras as condições da ampliação.

Custo político era entrave à nova MP

A decisão do presidente Lula foi tomada ontem à noite durante uma reunião com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A equipe da ministra alegava que a medida teria alto custo político, devido às sucessivas derrotas do governo no Congresso e à tentativa do presidente de destravar os trabalhos parlamentares. Baixar uma MP contrariaria esta estratégia. A Casa Civil argumentava ainda que o adiamento do prazo poderia voltar a ser tratado quando a conjuntura política estiver mais favorável, em agosto, na volta do recesso parlamentar. Mas a a avaliação final foi que isso provocaria muita confusão no mercado.

Até dezembro de 2004, só existia uma forma de pagar IR sobre os planos de previdência. Os recursos resgatados ou os benefícios de aposentadoria eram tributados de acordo com a tabela do IR da Pessoa Física (IRPF). Isso significa que valores até R$1.164 eram isentos; entre R$1.164,01 e R$2.326 tinham alíquota de 15%; e acima de R$2.326 de 27,5%. Para estimular os brasileiros a pouparem a longo prazo, o governo criou o modelo de tributação decrescente, em que quanto mais tempo o participante deixar seu dinheiro no fundo, menor será o IR. São seis alíquotas que variam entre 35% (saques em até dois anos de acumulação) e 10% (saques a partir de dez anos). Para quem optou por esta modalidade o tempo de contribuição da reserva acumulada até ontem começou a contar em 1º de janeiro de 2005.

Nascimento, da Anapp, estimou que a ampliação do prazo e as novas regras (que fazem parte da MP do bem e entram em vigor em janeiro de 2006) para criação de planos blindados - isto é, com separação entre os recursos dos investidores e os da seguradora - as reservas da previdência privada no Brasil devem saltar dos atuais 19% do PIB para 40% a 45% em cinco anos. Hoje o total das reservas é de R$320 bilhões. O percentual fica pouco atrás dos 50% dos EUA.

- A ampliação foi uma vitória importante, que vai alavancar a expansão do setor - disse Nascimento.

O economista José Luiz Martins, cliente do Citibank, decidiu manter seu plano de previdência no regime antigo (progressivo).

- A nova regra é boa para quem pretende ficar muito tempo sem mexer nos recursos. Não é o meu caso, então, para não ter que pagar uma taxa de 35% a curto prazo, vou ficar na regra antiga, onde a alíquota máxima é de 27,5% sobre resgates.

Ontem à tarde, ainda sem a perspectiva de ampliação do prazo, a assessora cultural Leila Santos foi uma das pessoas que correram ao banco para autorizar a migração para o novo modelo tributário. Cliente do Bradesco, ela investe em previdência há pouco mais de oito anos e tem cinco planos distintos.

Investidor critica atendimento

Segundo ela, a falta de informação nas agências dificultou a decisão dos investidores.

- Não sabiam me esclarecer as dúvidas e ainda recebi informações erradas. Numa agência, me disseram que o prazo havia sido ampliado anteontem. Na outra, negaram a informação. E eu, correntista, não recebi um comunicado sobre a possibilidade de aderir ao novo modelo de tributação. Poderia ter sido prejudicada - criticou.

O Bradesco informou que comunicou a todos os clientes sobre as mudanças e classificou o problema da correntista como um caso isolado. O advogado Leonardo Burman, cliente do Banco Real e o engenheiro Perival Bezerra, correntista do Banco do Brasil (BB), também reclamaram da falta de informação. Como o Bradesco, o Real afirmou que o problema foi um caso isolado. O BB preferiu não se manifestar. Nas agências do Centro do Rio, o movimento foi fraco. Segundo analistas, apesar do prazo apertado, as dúvidas retraíram os investidores.

O Fio da meada

O novo sistema de tributação dos fundos de previdência privada nasceu e cresceu cercado de críticas - as maiores eram em relação ao prazo de migração dos investidores. Aprovada no apagar das luzes do ano passado - em 29 de dezembro - a lei 11.053 criou um novo modelo (regressivo) em que, quanto mais tempo o dinheiro ficar aplicado, menor será o Imposto de Renda (IR) a pagar. As alíquotas são de 35% (aplicações até dois anos), 30% (dois a quatro anos), 25% (quatro a seis anos), 20% (seis a oito anos), 15% (oito a dez anos) e 10% (acima de dez anos).

Mas, para a lei ser posta em prática, a incidência das alíquotas precisava ser regulamentada. E essas regras só saíram no fim de março, dando apenas três meses para empresas e investidores se informarem sobre as mudanças e decidirem o que era mais vantajoso. Desde então, as empresas do setor vinham pedindo ao governo o adiamento do prazo, que só foi obtido ontem, justamente no último dia previsto pela lei original.