Título: Um peso extra na Previdência
Autor: Valderez Caetano
Fonte: O Globo, 25/10/2004, Economia, p. 17

O auxílio-doença, a que têm direito todos os trabalhadores do setor privado do país, pode inviabilizar as contas da Previdência Social se o volume de concessões do benefício continuar crescendo no ritmo verificado nos últimos cinco anos. Só este ano, a Previdência vai gastar em torno de R$ 11,8 bilhões com o auxílio-doença ¿10% das despesas totais, que vão ficar este ano em torno de R$ 120 bilhões ¿ mais que o dobro do que foi gasto em 1999. Naquele ano, o auxílio-doença beneficiou 460 mil trabalhadores, enquanto em 2004 o número de trabalhadores atendidos poderá chegar a 1,5 milhão.

Os cálculos são do ex-ministro da Previdência Social José Cechin, economista licenciado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para ele, pelo menos R$ 3 bilhões desses gastos poderiam ser evitados.

¿ Pode estar havendo anormalidade na concessão de pelo menos o equivalente a R$ 3 bilhões em auxílio-doença ¿ disse ele.

Cechin e outros especialistas apontam várias razões para o crescimento dos pedidos do benefício. Além da falta de fiscalização adequada por falta de médicos e fiscais, a queda da atividade econômica dos últimos anos ¿ que está levando as pessoas a buscarem formas de obter algum tipo de renda ¿ pode ser um outro motivo para o aumento da concessão do auxílio-doença.

Sindicato culpa a terceirização

O problema também está no centro da preocupação do governo federal, que já estuda medidas para estancar a sangria do dinheiro da Previdência. Uma delas é aumentar o número de médicos que fazem perícia ¿ a carência desses profissionais chega a três mil ¿ e reabilitar as pessoas que ficam afastadas temporariamente para o trabalho. Para o governo, está havendo um desvio da função da Previdência Social.

¿ Parte do aumento das concessões do auxílio-doença pode ser atribuída à crise econômica. As pessoas não têm direito ao seguro-desemprego e, por isso, quando desempregadas, buscam se proteger no auxílio-doença. A Previdência vem fazendo um papel assistencial que deveria estar sendo feito por programas como o Bolsa-Família, por exemplo ¿ disse o secretário de Previdência, Helmut Schwarzer.

Ele explicou que qualquer trabalhador que contribua para o INSS durante 12 meses passa a ter direito de receber o auxílio nos 12 meses subseqüentes. Decorrido este prazo, caso o mesmo trabalhador encontre um emprego por apenas dois meses, ele passa novamente a ter direito ao benefício. O auxílio é pago pelo governo a quem fica incapacitado para o trabalho por mais de 15 dias seguidos, por motivo de doença. O valor do auxílio será de 91% do salário de benefício (calculado com base na média aritmética dos salários de contribuição ao INSS).

O secretário adiantou que estão em estudo no governo federal diversas medidas que serão adotadas a partir do início do próximo ano. Entre elas o reforço da fiscalização e da contratação de médicos por concurso público. Além disso, a reabilitação profissional para que um mesmo trabalhador não busque o benefício por um prazo muito longo e não seja reincidente no pedido de auxílio.

Os trabalhadores vêem o aumento do auxílio-doença de modo diferente. O secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil e Mobiliária do Distrito Federal, Edson Corrêa dos Santos, o atribui à terceirização. Para ele, a medida faz com que o trabalhador despreparado ocupe posições de risco.

¿ Vemos serventes de obras fazendo tarefas arriscadas para as quais não estão preparados. Ou mesmo pessoas que, por serem despreparadas, passam dez a 12 horas no computador se candidatando a adquirir a LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Quem é especializado não faz isso ¿ comenta Corrêa dos Santos.