Título: Salvaguardas necessárias
Autor: LUIZ FELIPE LAMPREIA
Fonte: O Globo, 07/07/2005, Opinião, p. 7

De alguns anos para cá, e especialmente nos últimos doze meses, o desempenho exportador chinês vem causando preocupação crescente em todo o mundo. Os volumes são cada vez maiores, os preços se situam abaixo dos níveis internacionais normais e isto sem prejuízo da qualidade. Por que isso está ocorrendo?

Em primeiro lugar, a exportação chinesa tem sido fator fundamental para a geração de empregos e rendimentos necessários à absorção de parcelas crescentes da população rural que gradualmente se vai incorporando ao consumo moderno. Se a China já conta hoje com um contingente de 300 milhões de habitantes nas grandes cidades, ainda há 800 milhões de pessoas que habitam o interior, que precisam ser também trazidas à economia de mercado. É esta uma prioridade básica do Partido Comunista e por isso o setor exportador continuará a receber toda a prioridade.

Em segundo lugar, a China tem sido objeto de enormes fluxos de investimentos diretos estrangeiros nos últimos quinze anos. Boa parte destes recursos destina-se a utilizar as vantagens comparativas da China na produção de insumos e componentes para as cadeias produtivas ou comerciais das grandes empresas internacionais. Parte significativa das exportações chinesas insere-se nesta categoria.

Em terceiro lugar, a China apresenta custos de produção muito baixos. Um operário chinês recebe menos de um dólar por hora, enquanto seu equivalente alemão recebe mais de vinte, o americano mais de quinze e o brasileiro cerca de cinco dólares. Não há leis trabalhistas rigorosas, o que faz com que os trabalhadores chineses se sujeitem a regimes inaceitáveis para seus colegas do mundo ocidental. Assim, os custos de produção chineses são incomparavelmente inferiores aos de seus concorrentes.

Nessas condições, a China está provocando um abalo no comércio internacional, por ter assumido um papel decisivo em setores em que tinha pouca expressão ou por multiplicar exponencialmente sua atuação em áreas em que já estava presente. No caso de têxteis e vestuário, em que a China é tradicional produtora, existe uma situação peculiar que está causando grandes turbulências comerciais e políticas. Até 31 de dezembro de 2004, estavam em vigor as restrições quantitativas (quotas) do Acordo Multifibras da OMC, que limitavam as exportações de países em desenvolvimento para mercados tradicionais do Primeiro Mundo. Ao final de um período de transição de dez anos, essas quotas foram terminadas e estabeleceu-se a liberdade de comércio. Com isso, as exportações chinesas acusaram crescimento vertiginoso, provocando reações defensivas na União Européia e nos Estados Unidos, que já começaram a impor quotas e restrições à entrada de produtos chineses para proteger suas indústrias do dano que estão sofrendo.

No que refere ao Brasil, está ocorrendo uma expansão desordenada das importações originárias da China, especialmente em setores sensíveis como têxtil, plástico, chapas de alumínio e eletrônico, e que está causando dano às indústrias nacionais.

Foi, portanto, com grande satisfação que tomamos conhecimento da aprovação de dois decretos permitindo adoção de salvaguardas para proteger a indústria nacional, estabelecendo um limite de 7,5% para o crescimento de têxteis e confecção da China.

Há um período de 30 dias previsto para um possível acordo entre empresários brasileiros e chineses, findo o qual a China será obrigada a restringir suas exportações.

LUIZ FELIPE LAMPREIA, ex-chanceler, é presidente do Conselho de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro.