Título: Cai o homem do dinheiro do PT
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 06/07/2005, O País, p. 3

Denúncias de mensalão derrubam Delúbio e PF pode quebrar sigilo bancário do partido

Acusado de ser um dos principais operadores do suposto mensalão do PT e com trânsito livre no governo desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, o polêmico Delúbio Soares se licenciou ontem do cargo de tesoureiro do PT e será intimado pela Polícia Federal para prestar depoimento nos próximos dias. A PF está investigando as relações do PT com o publicitário Marcos Valério, amigo de Delúbio e avalista de um empréstimo para o PT juntamente com o próprio tesoureiro e José Genoino, presidente do partido. A PF já cogita pedir a quebra do sigilo bancário do partido para esclarecer as condições do empréstimo de R$2,4 milhões do PT junto ao BMG e descobrir se há outros contratos de financiamento como este.

A PF vai intimar para prestar depoimento nos próximos dias, além de Delúbio, o secretário-geral licenciado do partido Sílvio Pereira, o primeiro da cúpula do PT a cair por causa das denúncias de corrupção. A PF quer que ambos esclareçam suas relações com Valério. Para isso, o delegado responsável pelas investigações deverá pedir à Justiça a quebra do sigilo bancário, fiscal, telefônico e dos cartões de crédito dos dois dirigentes petistas.

Bastos: "A PF não protege os amigos"

À medida que as investigações avançarem, a PF também poderá ouvir o depoimento do presidente do PT, José Genoino, e do ex-chefe da Casa Civil e deputado federal, José Dirceu (PT-SP). A quebra do sigilo do PT será necessária se a direção do partido não apresentar todos os contratos de financiamento que fez ou se forem confirmadas as suspeitas do relacionamento da cúpula do partido com Valério.

Os policiais federais que investigam as denúncias relativas ao pagamento de mensalão e irregularidades em contratos dos Correios e outras estatais esperam que Delúbio e Sílvio Pereira apresentem a documentação relativa aos empréstimos. O PT obteve empréstimos também no Banco Rural e no Banco do Brasil. Do contrário, pedirão também autorização judicial para ter acesso a contratos.

- Acho que todo mundo tem que ser ouvido, inclusive os dirigentes do PT que têm sido mencionados. A Polícia Federal vai ouvi-los. A Polícia Federal não persegue os inimigos e não protege os amigos - disse ontem o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, endossando o trabalho da Polícia Federal após abrir encontro de superintendentes da corporação, em Brasília.

Depoimentos até o início da semana

Perguntado se Genoino também será ouvido, Bastos não respondeu, mas assegurou que ninguém do PT será preservado:

- A PF vai investigar tudo o que deva ser investigado.

Delúbio e Pereira deverão depor até o início da semana que vem. Falta decidir a data e o local, que pode ser Brasília, São Paulo ou qualquer outra cidade onde ambos estejam.

A PF investiga as relações do PT com as agências SMP&B e DNA, que têm Marcos Valério como sócio. A polícia quer esclarecer por que o publicitário foi avalista do empréstimo de R$2,4 milhões do PT com o BMG e por que a SMP&B pagou uma parcela desse financiamento, em 2004.

A questão é simples: uma vez que a SMP&B presta serviços para o governo federal, cuidando da publicidade de órgãos como os Correios e o Banco do Brasil, o lógico é que a agência receba dinheiro de seu cliente, o governo. O problema, no caso da SMP&B, é que ocorreu justamente o inverso: a agência de publicidade que presta serviços para estatais pagou uma conta do PT, justamente o partido do governo.

- Existe a possibilidade de (Delúbio Soares e Sílvio Pereira) terem participado de contrato onde o PT recebeu quantia em dinheiro (da SMP&B). Queremos rastrear esse dinheiro - diz uma fonte com acesso à investigação.

Delúbio e Pereira serão ouvidos também porque foram citados no depoimento de Marcos Valério à Polícia Federal. O publicitário disse ter uma relação de amizade com Delúbio e que manteria contato com Sílvio Pereira, entre outros políticos e dirigentes partidários. Depois de ouvir os dois dirigentes afastados do PT, a polícia deverá intimar Genoino, podendo avançar ainda em direção a José Dirceu, o que exigiria autorização do Supremo Tribunal Federal, uma vez que deputados têm direito a foro privilegiado.

Bastos afirmou ter confiança de que a atual crise política será resolvida e que os culpados serão punidos.

O ministro destacou que o Brasil tem instituições sólidas, capazes de lidar com crises desse tipo, e que o governo e a Polícia Federal estão tomando as providências necessárias para investigar as denúncias de corrupção.

- Acredito que a crise vai se resolver sem impunidade - afirmou o ministro da Justiça, enfatizando a preocupação de aprofundar a investigação, separar culpados de inocentes e evitar que ocorram "linchamentos".