Título: Delúbio não explica empréstimo e diz nada temer
Autor: Soraya Aggege/Tatiana Farah/Flávio Freire
Fonte: O Globo, 06/07/2005, O País, p. 5

Tesoureiro pede licença do cargo à executiva do PT e Genoino fica. Lula se diz satisfeito com resultado da reunião

SÃO PAULO. Pivô das denúncias contra o PT, o tesoureiro do partido, Delúbio Soares, pediu licença ontem do cargo e isentou o presidente, José Genoino, de participação nas relações financeiras com o publicitário Marcos Valério. Mesmo enfraquecido internamente, Genoino se mantém no cargo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou satisfeito com o resultado da reunião da executiva do PT, segundo um de seus assessores.

Delúbio é o segundo dirigente a se afastar do cargo no PT por causa das denúncias do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), de que o partido pagaria mensalão a deputados aliados. Anteontem, o secretário-geral, Sílvio Pereira, pediu afastamento.

Marcelo Sereno se recusa a deixar a direção do partido

Outro envolvido, Marcelo Sereno, secretário de Comunicação, se recusou a deixar a direção do PT. Embora tenha ouvido a sugestão ontem, argumentou que foi citado superficialmente nas denúncias. Sereno também foi envolvido no caso Waldomiro Diniz e, como Delúbio e Sílvio, é diretamente ligado ao ex-ministro José Dirceu.

Delúbio disse na reunião da executiva que errou ao não informar Genoino sobre o empréstimo feito em 2003, de R$2,7 milhões (em valores atuais) do BMG, com aval de Valério. Pediu desculpas à executiva, mas não foi questionado e não falou sobre outros empréstimos.

O tesoureiro licenciado disse na reunião que o PT ainda deve os R$349.297,53 de juros pagos em 14 de julho de 2004 por Valério, segundo o secretário de Organização, Gleber Naime.

Delúbio chegou à reunião com uma carta pedindo seu afastamento durante as investigações. "As investigações em andamento na Administração e no Congresso Nacional voltaram-se contra mim. Não temo. Tenho plena consciência de nunca haver transgredido os princípios éticos da prática política", disse, na carta.

Delúbio reafirmou que põe à disposição da CPI seu sigilo bancário, fiscal e telefônico. "Acredito que o partido seja maior que seus dirigentes. Para permitir a normal condução dos assuntos do PT, estou apresentando à executiva meu pedido de licença pelo tempo em que perdurar a apuração", afirmou.

A saída dos dois dirigentes visa a aplacar, ainda que temporariamente, a crise do PT. Mas no próximo sábado e domingo ainda acontecerá a reunião do diretório nacional. Os 81 membros vão decidir quem ocupará os cargos vagos e a permanência ou não de Genoino, além da resolução aprovada ontem, de recomposição da executiva.

Na véspera da última reunião do diretório, no mês passado, Genoino desabafou com companheiros de partido que estava disposto a deixar o cargo caso os outros dirigentes assim o fizessem. Ainda não havia estourado o escândalo do empréstimo avalizado por Valério.

Diversos petistas, inclusive do Campo Majoritário, do qual faz parte Genoino, têm pedido publicamente que o presidente do partido deixe o cargo. Mas ontem, na presença de Genoino, só Jorge Almeida, secretário de Movimentos Populares e membro da Ação Popular Socialista (APS), manteve sua posição e pediu que ele deixasse o cargo. Ficou isolado. Mesmo assim, o ânimo de Genoino esmoreceu.

- Ele está chateado, sim. É um momento humanamente muito difícil, mas ele ficará no cargo - disse Naime.

- Genoino é um guerrilheiro, sempre foi, sempre será um guerrilheiro - afirmou Paulo Ferreira, secretário de Relações Internacionais do Partido, também do Campo Majoritário.

Genoino afirmou que, se o diretório decidir por mudanças na direção, está disposto a seguir as decisões do partido, de acordo com o segundo-vice-presidente, Romênio Pereira. Sílvio Pereira, mesmo afastado, foi à reunião da executiva explicar sua decisão. Segundo Naime, ele disse que não tem mágoa do partido ou dos companheiros, contradizendo desabafos que tem feito a jornalistas.

- Sílvio nos disse que tem havido é muito intriga- afirmou Naime.

Dos 21 membros da executiva, três não foram à reunião de ontem: Marta Suplicy, primeira-vice-presidente, o líder do Senado Delcídio Amaral, que preside a CPI dos Correios, e o líder do PT na Câmara, Paulo Rocha.

Do lado de fora da sede do PT, um grupo de ex-petistas hoje filiado ao PSTU fez protesto contra a corrupção no Congresso e no governo Lula. Cerca de 30 pessoas carregavam faixas e gritavam palavras de ordem como "Ô Lula/que papelão/o seu governo é cheio de corrupção".

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A carta de Delúbio

"As investigações em andamento na Administração e no Congresso Nacional voltam-se contra mim.

"Não temo. Tenho a plena consciência de nunca haver transgredido os princípios éticos da prática política. Prova eloqüente disso é meu reduzido patrimônio.

"Conduzi com seriedade e honestidade os assuntos financeiros do PT durante o tempo em que exerci a Secretaria de Finanças e Planejamento.

"Como não temo a investigação, estou tomando a iniciativa de colocar à disposição da CPI meus sigilos bancário, fiscal e telefônico.

"Acredito que o partido seja maior do que qualquer um dos seus dirigentes. Para permitir a normal condução dos assuntos do PT, estou apresentando à Executiva Nacional meu pedido de licença, pelo tempo em que perdurar a apuração."

Legenda da foto: DELÚBIO SOARES: tesoureiro pediu afastamento do cargo "pelo tempo em que perdurar a apuração"