Título: Quase meio bilhão sem origem identificada
Autor: Bernardo de la Peña e Chico Otavio
Fonte: O Globo, 06/07/2005, O País, p. 8

Relatório do Coaf revela que Marcos Valério fez 'transferências unilaterais freqüentes especialmente a título de doação'

BRASÍLIA. O publicitário Marcos Valério, sócio das agências de publicidade SMP&B e DNA Propaganda, terá de explicar hoje na CPI dos Correios movimentações financeiras consideradas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) incompatíveis com suas atividades. Entregue ontem à comissão, relatório do órgão mostra que pelas contas da DNA Propaganda no Banco do Brasil passaram entre 1999 e maio de 2005 R$836 milhões. Deste total, R$458,9 milhões não tiveram a origem identificada pelo Coaf. Só têm origem identificada R$377,10 milhões.

O relatório registra a movimentação financeira - saques, depósitos e transferências entre aplicações - das duas agências de Valério e tem mais informações sobre os 103 saques em dinheiro num total de R$20,9 milhões feitos por Valério em contas no Banco Rural e no BB. O publicitário, cujas agências prestam serviço para empresas estatais como os Correios, é investigado pela suspeita de operar o esquema do mensalão.

No documento são registradas ocorrências como a "movimentação de recursos incompatíveis com o patrimônio, atividade econômica ou ocupação profissional e capacidade financeira presumida do cliente". O Coaf encontrou ainda "transferências unilaterais freqüentes ou de valores elevados especialmente a título de doação".

O relatório registra, por exemplo, dois depósitos em dinheiro feitos na conta no Banco do Brasil. Um deles, no valor de R$413.900, foi feito pela gerente da SMP&B Comunicação, Simone Vasconcelos, no dia 12 de janeiro do ano passado. O outro, de R$185 mil, por Alexandre Ferreira dos Santos.

Valério sacouR$1,1 milhão

O documento tem ainda uma lista de pelo menos nove pessoas que sacaram dinheiro nas contas da DNA e da SMP&B nas agências dos dois bancos. No Rural, em Brasília, foram feitos pelo menos dois saques, um em 17 de setembro de 2003, de R$250 mil, e outro em 23 do mesmo mês, de R$300 mil. As retiradas foram feitas pela funcionária do departamento financeiro da SMP&B Geiza Dias dos Santos.

Entre os autores dos saques, está o próprio Marcos Valério. Apenas na conta da DNA no Banco Rural ele sacou pessoalmente em dinheiro R$1,190 milhão em cinco retiradas, entre 19 de agosto de 2003 e 21 de junho do ano passado.

Em outra conta da SMP&B, no Bradesco, o Coaf registrou entre julho de 2004 e 13 de junho de 2005 uma movimentação de R$5,545 milhões. O órgão, entretanto, só conseguiu identificar R$3,872 milhões. O dinheiro teria vindo da Elmo Calçados (R$1,486 milhão), do Correio Braziliense (R$731 mil), de Ricardo Eletra (R$319 mil) e do titular da conta (R$1,336 milhão).

O documento do Coaf apresenta ainda outras três empresas nas quais Marcos Valério é sócio: Star Alliance Participações Ltda, Solimões Publicidade, MG5 Participações Ltda.

A CPI e a Polícia Federal investigam ainda a relação dos saques, fornecida pelo Coaf, e as visitas feitas à agência do Banco Rural em Brasília. Até ontem, o líder do PMDB na Câmara, José Borba (PR) e o motorista do PTB Alexandre Chaves Rodrigues já tinham sido identificados por terem ido ao banco em dias de saques. Segundo a ex-secretária de Valério, Fernanda Karina Somaggio, que também presta depoimento hoje, o dinheiro era usado no pagamento de políticos em troca de apoio ao governo.

* enviado especial

Legenda da foto: MARCOS VALÉRIO, que segundo relatório do Coaf sacou pessoalmente R$1,1 milhão na boca do caixa