Título: PESADELO DO ÔNIBUS 174 DE VOLTA À ZONA SUL
Autor: Alessandro Soler/Claudio Motta/Fábio Vasconcellos
Fonte: O Globo, 06/07/2005, Rio, p. 15

Bandido mantém passageiros reféns por 40 minutos, mata um deles com um tiro na cabeça e se entrega

Cinco anos e 23 dias depois da tragédia do ônibus 174, que comoveu o país, a história se repetiu. O assalto a um ônibus, ontem à tarde, terminou com o assassinato de um estudante por Wellington Luiz Gonçalves de Souza, de 22 anos, que manteve reféns os 40 passageiros da linha 2016 (Mandala-Castelo) em São Conrado. Nelson Morais Faria morreu com um tiro na cabeça no exato dia em que completava 20 anos.

Os passageiros contaram ter passado 40 minutos de terror (entre 17h10m e 17h50m) sob a mira da pistola calibre 22 de Wellington. De acordo com eles, o bandido, descontrolado, anunciou o assalto com o ônibus em movimento, ainda na Barra, a caminho do Centro. Na entrada do Túnel do Joá, exigiu dinheiro, relógios e celulares e disparou um tiro para o alto. Enquanto o carro seguia pelo Elevado do Joá, Wellington roubou dos passageiros R$530, US$2, um discman e nove celulares, até que, em São Conrado, em frente a um carro da PM, o motorista Maurício Paulo Nascimento parou bruscamente sobre a calçada.

- Quando o ônibus parou, o assaltante agarrou o Nelson, que estava no último banco. O motorista abriu a porta e fugiu para pedir ajuda a policiais. O cobrador fugiu logo depois. Então o assaltante começou a gritar para abrirem a porta de trás, que ficou fechada. Como ninguém abriu, ele atirou na cabeça do refém. E disse que ia matar mais pessoas caso não conseguisse escapar - contou o pintor Jaime Andrade, morador de Caxias que trabalha na Barra.

Criminoso tentou se suicidar mas arma falhou

Depois de matar Nelson, Wellington tentou atirar em pelo menos outras três pessoas e também na própria cabeça várias vezes. Mas em todas as tentativas a pistola falhou. De acordo com os passageiros, ele disparou contra o refém enquanto policiais se aproximavam do ônibus.

- Ele também falou ao telefone com diversas pessoas, amigos, a mulher. Depois de falar com a mulher, chorou e disse que ia se matar. Ele apertou o gatilho muitas vezes apontando contra o próprio queixo e a própria cabeça, mas os tiros não saíam - contou o estudante Diego Ratton. - O motorista não deveria ter aberto apenas a porta da frente e fugido. O assaltante disse que queria descer. Foi por ninguém ter aberto a porta que ele atirou. O despreparo do motorista foi incrível. Vou processar a empresa Real.

Criminoso disse que queria descer na Rocinha

Depois de atirar em Nelson, o bandido agarrou pelos cabelos a estudante Carolina Mendonça, que também estava no banco do fundo. Ela contou que Wellington tentava atirar nela e na própria cabeça, enquanto gritava palavrões.

- Quando saímos do túnel, em São Conrado, ele disse que queria descer na Rocinha. Mas logo depois o motorista parou o ônibus em frente a um carro da polícia. Ele berrava que queria um carro para fugir. Os policiais tentavam negociar, dizendo que mandariam o carro. Estou muito chocada, ainda não acredito que vi um homem ser morto do meu lado.

Já durante a negociação com a polícia, Wellington começou a liberar os passageiros. De acordo com alguns deles, ele tentou atirar pelas costas no comerciante chinês Aiyon Chung, de 47 anos, e no vigilante Nelson dos Santos Júnior, de 25 anos.

- Depois de tentar atirar na menina (Carolina), ele apertou o gatilho na minha direção. Nem consigo descrever o alívio que senti quando a arma falhou. Na hora eu só pensava na minha família - disse Nelson.

Acionado pelo rádio, o tenente-coronel Carlos Norberto Mendes, comandante do 23º BPM (Leblon), foi quem negociou a rendição do bandido. Ele deu a Wellington garantias de que sairia vivo. Mendes contou que foram os próprios PMs plantonistas em São Conrado que perceberam a situação e obrigaram o motorista a parar, o que este negou. Maurício diz ter parado voluntariamente sobre a calçada para pedir ajuda.

- Alguns passageiros estão me acusando de ter agido mal. Mas cada um tem uma reação numa situação terrível como essa. Eu lamento demais a morte do passageiro, mas não me arrependo de ter parado para pedir ajuda. Não fiz por maldade - afirmou Maurício, que trabalha na Real há sete meses.

O coronel Mendes se apressou em desvincular a tragédia de ontem do caso do 174. De acordo com ele, "desta vez a polícia agiu corretamente e evitou uma tragédia maior, com a morte de 20 reféns."

- Não houve intervenção dos PMs antes do disparo. Eu determinei que eles se afastassem, para poder negociar adequadamente com o seqüestrador. Não vou entrar no mérito da responsabilidade do motorista, mas afirmo que o soldado que estava na patrulha em São Conrado percebeu a situação de perigo, viu que o motorista piscava os faróis e mandou o ônibus parar - relatou o comandante.

Ele, no entanto, não respondeu com clareza se havia policiais em volta do ônibus na hora do disparo de Wellington. Passageiros afirmam que os PMs da patrulha já haviam se aproximado.

- Eu vi que já havia policiais se aproximando, sim. Eles chegaram a mandar o Wellington se entregar. Depois disso, ele disparou no Nelson. E começou a pedir um carro para fugir. Em nenhum momento ele deixou as equipes de socorro entrarem para retirar o corpo do Nelson - lembrou o empresário Cláudio Brats.

De acordo com a polícia, Wellington tem passagem pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Ele é morador da Rocinha e o seqüestro aconteceu num local próximo a outro onde, na semana passada, outro bandido morador da favela foi morto enquanto assaltava motoristas na Auto-Estrada Lagoa-Barra.

SEQÜESTRO PAROU O PAÍS

No dia 12 de junho de 2000, o país parou por quatro horas e meia para assistir às imagens do seqüestro do ônibus 174, no Jardim Botânico. O assaltante Sandro do Nascimento manteve 11 pessoas como reféns até que, com a arma apontada para a cabeça da professora Geisa Firmo Gonçalves, resolveu sair do veículo.

Em seguida, o soldado do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Marcelo Oliveira dos Santos, usando uma metralhadora, tentou balear o seqüestrador, mas acabou atingindo Geisa de raspão. O bandido então disparou, matando a professora.

Depois da ação desastrada, cinco policiais do Bope prenderam Sandro. Ele foi levado para o Hospital Souza Aguiar, no Centro, onde chegou morto. Segundo o Instituto Médico-Legal (IML), o assaltante não levou um só tiro. O laudo mostrou que a causa da morte foi asfixia.

O desfecho trágico fez com que o então governador Anthony Garotinho determinasse a exoneração dos comandantes da PM, Sérgio da Cruz, e do Bope, José de Oliveira Penteado.

Lagoa-Barra fechou por 25 minutos

Motoristas demoraram mais de 40 minutos para fazer o percurso da Barra a São Conrado ontem à tarde por causa do assalto. A Auto-Estrada Lagoa-Barra ficou interditada das 17h35m até as 18h. Fiscais da Coordenadoria de Vias Especiais (CVE) desviaram os veículos em São Conrado para a Avenida Prefeito Mendes de Morais. Na Barra, a CVE orientou os motoristas a seguirem pela Estrada do Joá, que também ficou com o trânsito lento.

Segundo o coordenador da CET-Rio da Barra, Marcos Couto, os fiscais chegaram ao local do assalto rapidamente por causa das câmeras:

- Meia hora de interdição faria o engarrafamento chegar ao Cebolão, na Barra, mas os desvios absorveram a demanda de forma satisfatória. Houve lentidão, mas o tráfego não ficou parado. A retenção não passou da Avenida Ministro Ivan Lins, na Barra.

Legenda da foto: O ÔNIBUS da linha 2016 que foi atacado pelo bandido