Título: RESISTIR À INTIMIDAÇÃO
Autor: JORGE ANTÔNIO MAURIQUE e JOSÉ CARLOS GARCIA
Fonte: O Globo, 08/07/2005, Opinião, p. 7

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ofereceu representação contra o juiz federal substituto de Itaboraí Vlamir Costa Magalhães, perante o Conselho Nacional de Justiça, acusando-o de atos ilegais e abusivos na expedição de mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia. Proliferaram notas oficiais, editoriais e artigos firmados por advogados em jornais de grande circulação, fazendo coro à tese de descalabros e atos ilegais e abusivos que estariam sendo praticados por juízes, "particularmente os federais".

Ainda pior: vêm tomando corpo incitações, muitas vezes por parte de dirigentes da OAB ou de entidades representativas dos advogados, para que estes resistam ao cumprimento de mandados pela Polícia Federal, caso eles mesmos, advogados, os entendam como genéricos ou abusivos.

Acreditamos que a OAB tem toda a legitimidade para defender as prerrogativas dos advogados do que possam considerar atos ilegais de qualquer natureza, inclusive judiciais. Mas não podemos silenciar quando a Ordem, de tão longa e bela trajetória nas lutas democráticas, pretende intimidar juízes por meio de impugnações a decisões judiciais por via disciplinar, diretamente no Conselho Nacional de Justiça, em vez de se servirem os eventuais prejudicados dos inúmeros recursos disponíveis no sistema processual, e até mesmo suprimindo o que seriam as instâncias naturais competentes para apreciar pretensa falta disciplinar de magistrado. Tanto que a decisão do corregedor do CNJ, ministro Pádua Ribeiro, foi tomada neste exato e correto sentido: não conhecer de medida disciplinar contra conteúdo de decisão judicial, cuja contrariedade deve ser expressa por recurso à instância superior competente, e remeter as alegações de violação de dever disciplinar do juiz à Corregedoria-Geral da Justiça Federal na 2ªRegião, do Tribunal Regional Federal com sede no Rio de Janeiro.

Aceitar outra conclusão seria o oposto exato do que dizem defender as lideranças dos advogados: não preservar a dignidade da advocacia e o sigilo das relações profissionais do advogado com seu cliente, e sim intimidar juízes que, de forma fundamentada nos autos do processo, decidem pela realização de diligências, eventualmente em escritório de advocacia, ameaçando estes juízes com o risco da punição disciplinar.

É ainda mais grave quando dirigentes da OAB incitam os advogados a descumprirem mandados judiciais, conclamando-os inclusive a enfrentar os policiais federais que os cumprem. Os advogados são essenciais à administração da Justiça, diz o texto constitucional, mas não estão investidos de jurisdição, não são juízes, e não podem propugnar o simples desacato à ordem judicial. Ao fazê-lo, as lideranças dos advogados estão patrocinando grave ilegalidade e afrontando a independência e a dignidade do Poder Judiciário; estão, ainda, generalizando a todos os juízes a pecha de autoritários, abusivos, praticantes de atos ilegais e espetaculosos; estão legitimando a interpretação absurda de que se devem presumir ilegítimas e ilegais ordens judiciais válidas, quando a ilegalidade de uma decisão judicial é exceção excepcionalíssima, e deve ser revista pelos próprios órgãos judiciais competentes, sob pena de pretender-se legitimar aos advogados uma autotutela ilimitada de seus direitos e prerrogativas - que nenhuma autoridade pública ou cidadão tem no Brasil.

Trata-se, aqui, de harmonizar e equilibrar aspectos fundamentais de uma sociedade democrática: independência e autonomia do Judiciário, viabilidade e eficácia da investigação criminal, respeito ao direito de defesa e às prerrogativas da advocacia. Tema de tal forma delicado não combina com ataques diretos na mídia, campanhas de outdoors e televisão contra os juízes ou incitação ao descumprimento de ordens judiciais. Exige maturidade e responsabilidade, diálogo e transparência. É essencial rechaçar com veemência as iniciativas corporativistas que não meçam responsavelmente suas implicações institucionais.

JORGE ANTÔNIO MAURIQUE e JOSÉ CARLOS GARCIA são juízes federais.