Título: APROPRIAÇÃO INDÉBITA
Autor: Dimmi Amora
Fonte: O Globo, 08/07/2005, Rio, p. 16

Fiscalização do INSS constata que estado deixou de repassar ao órgão R$8,461 milhões

Os ex-governadores Anthony Garotinho (PMDB) e Benedita da Silva (PT) e a governadora Rosinha Garotinho (PMDB) poderão ter que responder a um processo criminal por apropriação indébita de recursos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). De acordo com uma auditoria feita por fiscais do INSS na folha de pagamento do governo e nos contratos da Secretaria estadual de Educação, entre janeiro de 2002 e novembro de 2003, o estado deixou de repassar ao órgão federal R$8,461 milhões. Esse total foi descontado de empregados não concursados e de empresas contratadas pela secretaria.

O valor é maior que os orçamentos de 2004 das secretaria de estado de Direitos Humanos; de Comunicação Social; e de Desenvolvimento da Baixada. A representação foi encaminhada à Procuradoria da República no Rio de Janeiro em maio deste ano e, de acordo com o procurador Gino Licchione, será mandada para o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, esta semana. Segundo Gino, após uma lei promulgada no fim de 2002, tanto os governadores como os ex-governadores têm foro privilegiado e, portanto, somente o procurador-geral pode decidir encaminhar para a Justiça a denúncia do INSS contra eles.

O secretário estadual de Comunicação, Ricardo Bruno, informou que, de acordo com o procurador-geral do estado, Francesco Conte, caso seja comprovado que o governo não fez os repasses ao INSS, não cabe responsabilização penal a qualquer dos governadores como pessoa física. Por isso, ele acredita que não haverá denúncia criminal. Segundo Ricardo, cada caso de não pagamento será analisado após o estado ser notificado.

O advogado de Benedita, Luiz Paulo Viveiros de Castro, disse que a ação é absurda por presumir que um governador assina guias de INSS, que são responsabilidade de funcionários. Segundo o advogado, caso a ação seja ajuizada, ele poderá entrar na Justiça com uma denúncia de calúnia contra os autores.

Fiscalização começou em dezembro de 2003

De acordo com o relatório do INSS, a fiscalização começou em dezembro de 2003. Os fiscais solicitaram todas as folhas de pagamento dos servidores da administração direta - que engloba o governo e as secretarias - entre janeiro de 2002 e novembro de 2003. A fiscalização constatou que os 11% descontados dos salários dos funcionários não concursados de todas as secretarias (pessoas com cargos comissionados ou que são contratadas sem concurso diretamente pelo governo) não estavam sendo repassados ao instituto.

Foram emitidas 51 Notificações Fiscais de Lançamento de Débito (NFLD) - espécie de guia de cobrança de dívida - contra o governo estadual.

O advogado Viveiros de Castro diz que, na sua opinião, o processo é nulo porque não há como um governador se apropriar de recursos do INSS. Segundo ele, os recursos estão garantidos no orçamento e, caso não exista dinheiro para pagar num ano, automaticamente a dívida fica para o ano seguinte.

- Os fiscais notificaram a ex-governadora Benedita em junho de 2003 no Palácio Guanabara, quando ela já não ocupava o cargo há seis meses. Mesmo assim, consideraram que ela estava notificada - disse o advogado.

A fiscalização descobriu que a Secretaria estadual de Educação não estava pagando os 11% referentes à nota de serviços prestados por 35 empresas contratadas para trabalhar para o órgão. Houve um processo administrativo dentro do INSS e os ex-governadores e a atual governadora puderam apresentar defesa. O débito, no entanto, foi confirmado e o processo será encaminhado para a dívida ativa.

Para a procuradora federal da Previdência, Huguette Lisboa Vieira, além do débito, os dois fatos se caracterizam como crime de apropriação indébita. A irregularidade está prevista nas leis 8.212/91 e 9.983/00 e pode ser punida com pena de prisão de dois a cinco anos e multa.

Segundo a legislação, o juiz pode converter a pena em multa se o devedor efetuar o pagamento. Não é a primeira vez que o Estado do Rio não paga o INSS. De acordo com informação disponível no site do órgão federal, o governo do estado está inscrito na dívida ativa em dez processos por débitos com a Previdência. Somados os valores, o total é de R$162,9 milhões.

Um estado, dois governadores e muitas desavenças

O estado do Rio teve dois governadores em rota de colisão em 2002 - Anthony Garotinho e Benedita da Silva - e viveu momentos conturbados. Rompidos politicamente, os dois governantes trocavam acusações públicas sobre a gestão do estado. Logo ao assumir o governo em abril de 2002, quando Garotinho se afastou para se candidatar à Presidência da República, Benedita já chegou ao cargo acusando seu antecessor de ter entregado a ela um estado falido.

As desavenças entre os dois tiveram conseqüências práticas e a prestação de contas de ambos, referente ao ano de 2002, acabou sendo contestada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Ao sair do governo, Garotinho disse que tinha deixado em caixa R$740 milhões para Benedita. Após a posse da petista, a equipe econômica da nova governadora afirmou ter detectado, na verdade, um rombo de R$1,36 bilhão. Diferentemente do que anunciara seu antecessor, no caixa haveria apenas R$38 milhões. Segundo os técnicos de Benedita, Garotinho, nos primeiros meses de seu governo, que acabou em abril, teria comprometido todo o orçamento de 2002, deixando o estado descapitalizado.

O ponto mais polêmico foi o não-pagamento do 13 º salário aos funcionários estaduais em 2002. Benedita culpava o rombo deixado por Garotinho; ele alegava má gestão de Benedita.

Em junho de 2003, o TCE, numa decisão inédita, rejeitou as contas de 2002. Para os conselheiros, houve descumprimento das constituições federal e estadual e violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). As principais foram não investir o mínimo previsto em lei em saúde, no Fundo de Conservação Ambiental (Fecam) e no Fundo de Amparo à Pesquisa (Faperj), além de fechar o ano com déficit orçamentário de R$2,1 bilhões e rombo financeiro de R$2 bilhões.

Quatro meses após o parecer do TCE, a Assembléia Legislativa do Rio votou o relatório do tribunal com poder de declarar Garotinho e Benedita inelegíveis. Porém, a bancada do PMDB se aliou ao PT para garantir que a votação acabasse em pizza. As contas de 2002 foram aprovadas com 50 votos a favor. O Ministério Público estadual, entretanto, ainda apura se houve irregularidade nas contas do Rio em 2002.

Em novembro 2003, o TCE já constatava um rombo de R$1,5 bilhão nos primeiros seis meses da gestão de Rosinha. O governo alegou que estava em dificuldades porque herdara problemas de Benedita, como o 13º de 2002, que ainda não havia sido pago, e o serviço da dívida com a União. Através de um acordo com o banco Itaú/Banerj, Rosinha conseguiu pagar os servidores no final do ano.

COLABOROU Carla Rocha

Legenda da foto: A EX-GOVERNADORA Benedita da Silva também teria deixado de repassar ao INSS