Título: 'O ataque se encaixa no padrão da al-Qaeda'
Autor:
Fonte: O Globo, 08/07/2005, O Mundo, p. 33

Barnett Rubin, especialista em Afeganistão e na ascensão do terror internacional, crê no envolvimento da rede de Bin Laden

Os atentados de Londres e a possibilidade de terem sido realizados pela rede terrorista al-Qaeda não surpreenderam Barnett Rubin, um dos maiores especialistas mundiais em Afeganistão e, por conseqüência, na história e no modo de pensar da organização de Osama bin Laden. Para ele, tudo indica que a rede al-Qaeda, se não Bin Laden em pessoa, está envolvida. Diferentemente das primeiras declarações da polícia, ele acredita ser possível que o comunicado do grupo al-Qaeda da Europa seja autêntico. Rubin está no Rio, onde participou do curso "Segurança: crise e reconstrução do sistema internacional", que está sendo realizado pelo Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e pelo Viva Rio no Hotel Marina Palace.

Por que Londres, por que agora?

BARNETT R. RUBIN: De acordo com o comunicado divulgado pelo grupo que chama a si mesmo de al-Qaeda na Europa, é devido ao papel britânico, ao lado dos Estados Unidos, no Iraque e no Afeganistão. E, segundo diz o comunicado, "nós alertamos o governo e o povo britânicos sobre isso". Isto é condizente com sua interpretação da lei islâmica, que afirma que antes de se atacar infiéis que os estão atacando é preciso alertá-los e convocá-los a se arrependerem. Assim, na visão deles, as fitas e gravações que Osama bin Laden e outros líderes da al-Qaeda divulgaram serviram para fazer este alerta. E, assim, a al-Qaeda está lançando estes ataques como uma resposta para o que eles vêem como ataques dos Estados Unidos e do Reino Unido ao mundo islâmico, particularmente no Iraque e no Afeganistão, que foram os países mencionados. Em relação ao dia, é uma especulação, mas imagino que planejaram (atacar) durante a reunião do G-8, cujas datas foram anunciadas há muito tempo. Assim tiveram tempo para se organizarem para (realizar os ataques) neste dia, da mesma forma que eles provavelmente organizaram os ataques a bomba em Madri próximo ao dia das eleições.

Há alguns fatos que parecem indicar uma relação entre os ataques de Londres e os de Madri. Ataques coordenados em datas importantes. O mesmo padrão indicaria que o mesmo grupo ou um grupo ligado realizou os dois ataques?

RUBIN: A al-Qaeda tem um padrão de realizar ataques grandes e altamente coordenados. Em 1998, atacaram as duas embaixadas americanas na África (Tanzânia e Quênia) ao mesmo tempo. No 11 de Setembro, usaram quatro aviões que atacaram ao mesmo tempo. Em Madri, atacaram diversos trens ao mesmo tempo. Na Indonésia utilizaram uma técnica similar. Sim, o ataque de hoje se encaixa.

É possível enxergar a mão de Bin Laden nos ataques?

RUBIN: Há um erro comum quando se pensa que a al-Qaeda é um tipo de organização centralizada. Não é e nunca foi. É mais parecida com uma rede de pessoas. E elas são treinadas, muitas delas no Afeganistão, e, portanto, usam técnicas similares. Mas não estão sob um comando e coordenação comuns, de Bin Laden ou qualquer outro. Não são como um exército ou uma agência de inteligência.

O senhor conhece o grupo que assumiu o ataque?

RUBIN: Este nome não me é familiar, mas muitos grupos do submundo usam nomes diferentes em momentos diferentes.

O que pode mudar no modo como o governo britânico vem lidando com o terrorismo?

RUBIN: Duvido bastante que qualquer coisa vá mudar porque isto não fornece qualquer informação nova, não muda o perigo da ameaça. Já sabíamos que havia a ameaça deste tipo de ação e é um tipo de ação que eles já tinham realizado antes. E sabíamos que tentavam realizar tais ações de novo. Claro, tentarão mudar suas políticas de contraterrorismo para que sejam mais eficazes. Há políticas das quais eu discordava antes (do ataque de ontem) e de que continuo a discordar, e que achava que deveriam ser alteradas antes e continuo achando, mas não devido a este ato.

O senhor acredita que nos anos que se seguiram ao 11 de Setembro a preocupação internacional em relação ao terrorismo diminuiu?

RUBIN: Não creio que a preocupação com o tema diminuiu. Minha opinião, opinião esta que já tinha antes deste incidente e nada tem a ver com ele, era de que a guerra no Iraque não tem nada a ver com a luta contra a al-Qaeda e que, na verdade, tornou esta luta mais difícil e foi um desvio que nos afastou do combate à al-Qaeda. Na verdade, encorajou-a e deu-lhe mais recrutas e uma nova base de organização, o Iraque.

De alguma forma a guerra no Iraque se assemelha à guerra da URSS no Afeganistão, quando os combates tornaram possível a organização de grupos terroristas?

RUBIN: A guerra no Afeganistão forneceu a eles uma oportunidade de organizar e criar esta nova forma de grupo islâmico, que não é baseado em qualquer país em particular e não tem uma agenda nacional, diferentemente da Irmandade Muçulmana no Egito, do Hamas na Palestina ou de qualquer outra organização islâmica ou política de orientação nacional.