Título: ESCRITORES CHOCADOS, MAS NÃO SURPRESOS
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Fonte: O Globo, 08/07/2005, O Mundo, p. 33

Britânicos que participam da Flip, em Paraty, arriscam previsões e explicações

PARATY. Apesar do choque inicial com a notícia, os atentados de ontem em Londres não foram recebidos com grande surpresa por boa parte dos autores estrangeiros que participavam da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Britânicos como os escritores Salman Rushdie e Jeanette Winterson, além da editora Liz Calder, recordaram os tempos em que viviam sob a ameaça do Exército Republicano Irlandês (IRA). O cingalês Michael Ondaatje e o israelense David Grossman chamaram atenção para a realidade que seus países vivem há anos, mas que apenas recentemente chegou às grandes cidade do Ocidente.

- É terrível explodir bombas em lugares onde há muitas pessoas, sem pensar quem são. Na Inglaterra, estávamos acostumados a isso nos tempos do IRA. Seguiremos em frente. Mas é claro que é uma covardia. Estou chocado - disse o anglo-indiano Salman Rushdie, caçado pelo extremismo islâmico por causa do livro "Os versos satânicos", pelo qual foi condenado à morte pelo aiatolá Khomeini, do Irã, já morto.

A escritora inglesa Jeanette Winterson atribuiu os ataques à política externa de Tony Blair e à escolha de Londres para sediar as Olimpíadas de 2012.

- Não posso dizer que não era esperado. Nós e os Estados Unidos somos os responsáveis, os poderosos, e temos de mudar nossa atitude. O apoio de Blair à guerra no Iraque foi um erro. Mas Bush ainda é o grande culpado - atacou.

Já para o jornalista Jon Lee Anderson, autor de "A queda de Bagdá", o premier britânico pode sair fortalecido do episódio.

- Se ficar provado que foi a al-Qaeda, como tudo indica, Blair terá força para implantar medidas controversas, como o controle maior da imigração - afirmou.

Nascido num país freqüentemente atingido pelo terrorismo, o Sri Lanka, o escritor Michael Ondaatje, autor de "O paciente inglês", lamentou que esse tipo de tragédia atinja também o Ocidente. Nascido no Oriente Médio, o escritor e jornalista David Grossman, que há anos testemunha os conflitos entre judeus e palestinos, solidarizou-se com os londrinos.

- Em Israel estamos expostos diariamente à ameaça do terror. É horrível viver suspeitando das pessoas. Quem usa o terrorismo perde as próprias qualidades como ser humano; quando alguém mata outra pessoa, antes mata parte de si mesmo - observou.

Apesar de os atentados terem causado tristeza, a editora Liz Calder, idealizadora da Flip, enfatizou a importância do evento neste momento trágico:

- A literatura pode nos ajudar a compreender o ódio, a violência. Prefiro estar aqui a estar em qualquer outro lugar, a não ser, é claro, que pudesse estar com a minha família.

Legenda da foto: O ESCRITOR SALMAN Rushdie: "Seguiremos em frente"