Título: Deflação no IPCA ressuscita debate: há ou não uma âncora cambial hoje?
Autor: Flávia Oliveira e Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 09/07/2005, Economia, p. 24

Analistas dizem que hoje, ao contrário do início do Real, há saldo comercial

A deflação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no mês passado, que voltou aos níveis de 2003 - quando o dólar caiu fortemente em reação à política econômica conservadora da equipe do presidente Lula - e de 1998 - período em que vigorava o regime de bandas, anterior ao modelo flutuante de câmbio - ressuscitou o debate em torno do uso da âncora cambial. O economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, afirmou esta semana ao GLOBO que o Banco Central só consegue controlar a inflação mantendo os juros básicos elevados, hoje em 19,75% ao ano, tal como no governo de Fernando Henrique Cardoso.

- A inflação continua aí. Só tem uma forma de explicar a inflação no patamar atual, de 7% a 8% ao ano: âncora cambial. Como eles empurram os juros lá para cima, vem o hot money. São US$23 bilhões que estão no Brasil mamando juros espetaculares. Mas se cair um pouco os juros, esses recursos vão embora - disse Lessa, acrescentando - Eles só conseguem segurar a inflação mantendo os juros lá em cima. É o mesmo esquema do governo anterior, executado com maestria.

O economista Gustavo Franco, presidente do BC de agosto de 1997 a janeiro de 1999, em entrevista por e-mail, disse que "o uso da âncora cambial para combater a inflação é um recurso disponível para qualquer governo; foi usado no começo do Real, está sendo usado desde o início do governo Lula com grande desenvoltura". Num dos raros momentos de concordância entre ele e Carlos Lessa, Franco diz que não faz diferença se a equipe econômica tem, ou não, intenção de usar o câmbio ou as taxas de juros para conter a inflação:

- O fato é que funciona - afirma. - E funciona porque atrai capital, sim, independentemente da intenção.

Economista da PUC não vê comparação

Segundo o ex-presidente do BC, durante o primeiro ano e meio do plano, o real se valorizou aproximadamente 15%. Em 1995, sofreu uma "mididesvalorização" dos mesmos 15%. Ou seja, ficou no zero a zero. Mas, considerando de julho de 94 a dezembro de 1998, a desvalorização foi de 24,3%. Já no governo Lula, o câmbio caiu 18% no primeiro ano (de R$3,53 para R$2,88) e 8% (de R$2,88 para R$2,65) no segundo. Em 2005, já caiu mais 11% (de R$2,65 para R$2,35). E resume:

- É um colosso em matéria de uso continuado do câmbio para abater, deliberada ou tacitamente, a inflação.

O professor da PUC e especialista em inflação, Luiz Roberto Cunha, diz que é um absurdo falar em âncora cambial com um saldo na balança comercial de US$30 bilhões, o que explica a entrada de dólares no país e a desvalorização da moeda americana. No início do Real, a situação era a inversa, lembra Cunha:

- Durante o câmbio controlado, além dos juros altos, havia um brutal déficit na balança comercial que quebrou o setor industrial brasileiro.

Atualmente, além do superávit comercial, a indústria ganhou eficiência e produtividade, a economia mundial está crescendo e o país está recebendo divisas da melhor qualidade possível:

- E isso é provocado pelas exportações. Esse câmbio está valorizado pela melhor maneira. Nós, economistas, temos que reconhecer que erramos. Esse dólar barato sempre foi motivo de queixa, por causa das exportações. Mas o dólar vem caindo, e o saldo comercial só faz registrar recordes.

Para o economista, o governo está aproveitando uma oportunidade única de quebrar a espinha dorsal da inflação: a indexação dos preços administrados:

- É bem possível que fechemos o ano com o IGP-M um pouco acima de 4%.

Projeção da balança comercial é de US$42 bi

Marco Antônio Franklin, sócio da Gestora de Recursos Plenus, faz coro com o professor da PUC. A projeção de saldo comercial de US$42 bilhões é a alavanca para a valorização do dólar. Não há controle artificial, segundo ele:

- Os preços das commodities subiram muito nos últimos anos, o que deixa as exportações menos dependentes da cotação do dólar. Isso gera resultados mais confortáveis nas contas externas.

Alexandre Sant'Anna, economista da Arx Capital gestora de recursos, também não vê âncora cambial para controlar a inflação. A subida do juro foi necessária, na sua opinião, para debelar a alta de preços no início do ano e afastar a ameaça de estouro do teto da meta de inflação, fixado em 7% (o alvo central é de 5,1%):

- Diante do saldo comercial, é natural a apreciação do real.

Cunha reconhece que a subida dos juros foi um preço caro, mas ressalva:

- A relação custo-benefício foi favorável para o Brasil.

"Como empurram os juros lá para cima, vem o 'hot money'. São US$23 bi mamando juros espetaculares"

CARLOS LESSA

"Não faz diferença se há, ou não, intenção de usar câmbio ou juros para conter a inflação. O fato é que funciona"

GUSTAVO FRANCO

"O câmbio está valorizado da melhor forma possível. Nós temos que reconhecer que erramos"

LUIZ ROBERTO CUNHA